TARDE DEMAIS 37 – O HOMEM QUE NÃO INTERROMPEU O CASAMENTO



Conto de Gustavo do Carmo

Entrou na nave da Igreja da Glória. Linda em seu vestido de seda indiana, decorado com cristais Svarowski importados diretamente da Áustria, renda grega e véu de um quilômetro de comprimento. Shaiane estava se casando com um bilionário goiano de família libanesa e iria se mudar para São Paulo depois da lua de mel na Dinamarca.

Os bancos da igreja eram decorados com jasmin. Shaiane entrou acompanhada do pai, um modesto comerciante da Baixada Fluminense. O casal de sobrinhos, um de cada irmão, era a dama de honra, de oito anos, e o pajem, de cinco. Este trazia as alianças em uma pequena caixa de porcelana.

Padrinhos do casal, pais do noivo, mãe da noiva e o próprio noivo já aguardavam no altar. O casamento ocorreu normalmente sob os ritos católicos e as bênçãos do padre. No momento em que ele perguntou se havia alguém disposto a não permitir o casamento ninguém se manifestou.

Patrício, ex-namorado de Shaiane, que deveria se manifestar contra o matrimônio da moça, não apareceu. Ele teve que levar a mãe ao médico, o atendimento demorou, teve que se arrumar, o ônibus não apareceu, o primeiro táxi enguiçou, o segundo taxista se perdeu, o Uber pegou engarrafamento e ele só chegou na igreja à noite. Tarde demais. O templo já estava vazio e sem a decoração de jasmin. O padre já o tinha recolhido na sacristia.

Shaiane realmente estava esperando por Patrício. Não estava muito disposta a se casar. Havia descoberto que Harlin, seu noivo, estava sendo investigado por corrupção. E torcia para ser resgatada pelo ex-namorado, por quem ainda estava apaixonada.

Como Patrício não apareceu, Shaiane aceitou o casamento, entregou-se ao marido, teve dois meninos gêmeos e foi fiel a ele, mesmo após Harlin ter sido preso e seus bens bloqueados pela justiça, liberados após ele fazer uma delação que quase derrubou o presidente da República.

Já Patrício foi morar nos Estados Unidos como imigrante ilegal. Casou-se no cartório com uma americana gorda de sessenta anos, só para pegar o Green Card e viver legalmente como taxista autônomo em Nova Iorque, onde vivia preso no trânsito. 

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