A ceia estava na mesa. Panetone, nozes, castanhas,
peru, chester, tender, pernil, lombinho, farofa e maionese estavam postos. Frutas
cristalizadas e as naturais, como abacaxi, maçãs e ameixas estavam no buffet ao
lado. Os convidados, reunidos desde as nove da noite, começavam a se sentar.
Todos esperavam por Papai Noel.
Era uma família grande. O anfitrião da casa organizava
a reunião pela primeira vez. Os três irmãos com respectivos cônjugues, sendo
duas mulheres e um homem, estavam presentes. O segundo filho do sexo masculino
do casal octogenário Normando e Etelvina era o próprio dono da festa, que
também é o mais novo dos quatro filhos.
Alanaor viveu às custas dos pais até os seus
trinta e quatro anos de vida. Passou no concurso de um banco federal há dois
anos. No ano deste natal que organiza pela primeira vez foi promovido a gerente
e ainda teve o segundo filho em fevereiro. Já tinha uma menina de três,
apaixonada por Papai Noel. Ainda espera o terceiro que está no ventre de sua
esposa e deve nascer no meio do ano que vem. Por isso, queria comemorar o ótimo
ano que teve e pediu para organizar a festa em seu apartamento de três quartos
no Engenho Novo.
Os outros três irmãos de Alanaor têm três filhos
cada um. De todas as idades: adultos com filhos, mulher executiva, homem
desempregado, homem vagabundo, adolescente rebelde, adolescente tímido,
pré-adolescentes e crianças de cinco e oito anos. Alguns sobrinhos e sobrinhas
levaram marido, esposa, noivos, noivas, namorados e namoradas. O tal homem
vagabundo levou até uma garota de programa e disse que era apenas uma amiga.
Também estavam presentes os primos de Alanaor, os
sogros, as tias, os tios dele e da esposa e até a avó centenária. Enfim, não
dava para contar, mas devia ter umas quarenta pessoas no apartamento de três
quartos de Alanaor no Engenho Novo.
Já era uma da manhã, os convidados já terminavam
de comer a ceia. Alguns começavam a
repetir a sobremesa e nada do Papai Noel aparecer. A árvore de dois metros e
meio, enfeitada por centenas de bolinhas verdes, vermelhas e azuis, reluzia
desde as sete horas da noite. A mulher de Alanaor começou a ficar preocupada
com o Papai Noel que não chegava.
Quando ela já ia ligar, eis que chega o bom
velhinho. Toca a campainha e saúda a todos os presentes na festa:
— Ho, ho, ho! Feliz Natal!
As crianças sorriem. Os velhinhos também. Os
adolescentes observam com desprezo, pois não acreditam mais em Papai Noel.
— Ho, ho, ho... hic!
O soluço de Papai Noel desmascarou uma
desconfiança que a cunhada de Alanaor já havia percebido desde que ele entrou
cambaleando na sala.
— Ho, Hic, Ho, Hic! Feliz... (hic!) … Natal (hic)!
Papai Noel já tropeçava pela casa. Viu uma das
sobrinhas de Alanaor e tascou-lhe um beijo na boca.
— Feliz Natal e... pô, não tem mais uma cervejinha
aí, não?
A alegria da família de Alanaor já estava trocada
pelo medo, preocupação, susto e revolta. A vergonha aumentou quando ele vomitou
sobre a mesa de centro.
— Ops! Desculpa! Diz o bom velhinho com a voz
enrolada de tão bêbado.
A esposa de Alanaor tentava disfarçar o
constrangimento perguntando pelos presentes:
— Vamos distribuir os presentes, né, Papai Noel?
— Vamo sim, gostosa!
E o Papai Noel abriu a sua sacola vermelha e
distribuiu, ou melhor, arremessou balas, chocolates, cereais, goiabinhas,
sabonetes de motel, roupões molhados, preservativos, sutiãs, cintas-liga,
meias-calças, calcinhas comestíveis, uma garrafa de cachaça pela metade,
seringas, um pedaço de espelho, um canudo, uma lâmina de barbear e um pó branco
que estava longe de ser um talco.
Alguns convidados retiraram-se revoltados, jurando
nunca mais freqüentar a casa de Alanaor. Dois irmãos e cunhados do anfitrião
romperam com ele. As crianças soluçavam de tanto chorar. Os pais e os tios do
dono da casa quase enfartaram. Namoros, noivados e até casamentos foram desfeitos
na noite de natal organizada por Alanaor.
Houve muita confusão e até pancadaria. Os vizinhos do prédio e também da
rua correram para ver. Metade das quarenta pessoas foi parar na delegacia. A
imprensa foi chamada. O Papai Noel bêbado fugiu.
Dois dias depois, Alanaor entrou na justiça contra
a conceituada agência de eventos natalinos que contratou para mandar um Papai
Noel com presentes de verdade e ganhou a causa em setembro do ano seguinte.
Ganhou uma milionária indenização por propaganda enganosa, constrangimento
ilegal, além de danos morais e materiais pelo Papai Noel embriagado que recebeu
em sua casa.
No ano seguinte, Alanaor já havia sido perdoado
pelos parentes e ganhou uma nova chance para organizar a festa de natal de sua
família. Desta vez, ele mesmo foi o Papai Noel e distribuiu presentes caros
para si mesmo e todos os convidados, que desta vez foram uns sessenta.
Foi o melhor natal organizado por Alanaor, que com
a sua esposa, aprendeu a nunca mais terceirizar o Papai Noel.
Inspirado nos contos “Um Feliz Natal Sincero”, “A
Família Reunida no Natal” e “Nesta Noite de Natal”, do colaborador Eduardo
Oliveira Freire.
Em meu nome e de todos os meus colaboradores (Dudu Oliva, João Paulo Simões, Weverton Galease, Narcélio Lima e Aninha Suely), o Tudo Cultural deseja um Feliz Natal a todos os leitores.
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