Conto de Gustavo do Carmo
Tinha raiva de mulheres grávidas. Se sentia incomodado com as barrigas
nuas e inchadas mostradas orgulhosamente. Algumas até com horríveis veias
aparentes. E todas com aquele calombo horroroso no lugar do umbigo.
Parecia que esfregavam a gravidez na sua cara, principalmente se a
mulher fosse bonita. Parecia que queriam dizer "Comigo você não tem mais
chances, porque o meu coração, além do meu marido (mesmo que seja um namorado
que conheceu há uma semana), agora também tem um lindo bebê que está por
vir." Se sentia como um ex-namorado traído e trocado por um homem
rico, que lhe daria quantos filhos ela quisesse enquanto ele seria um
fracassado.
O que mais irritava Geraldo, além disso tudo, era a forma hipocritamente
inocente como algumas mulheres tratam a concepção. Falam como se tivessem sido
fecundadas pelo espírito santo. O pai da criança foi um mero companheiro que
apenas seria testemunha do parto. Ignoram que engravidaram após uma noite de
sexo ardente no período fértil. Às vezes conheceram o pai da criança, horas
antes, na boate aonde sempre vão e dançam aquelas músicas bate-estacas, tocadas
ao ritmo de uma luz irritantemente piscante e um ambiente mal iluminado. Mas
quem as engravidou não foi ele. Foi Deus.
Também o incomodava a prioridade que era obrigado a dar às mulheres
grávidas. Filas, assentos nos transportes públicos e cuidados exagerados com o
futuro filho dos outros. Geraldo era educado e dava. Mas a contra-gosto.
Preferia ceder lugar a idosos e deficientes a uma mulher grávida. Esses merecem
mais. Os idosos como gratidão por tudo que já fizeram. Os deficientes por
limitação permanente (ou longa). A grávida em dois ou três meses já seria uma
pessoa normal.
Já teve um dia em que negou a se levantar para dar lugar a uma mulher
grávida que ficou roçando a barriga na cara dele. Fingiu que não era com ele.
Outras pessoas poderiam dar. Por que justo ele teria que se levantar? Mas
ninguém se levantou e a grávida fez a viagem inteira de pé.
Geraldo também não gostava de ver mulheres amamentando em público. Para
ele, o gesto é um momento íntimo e deve ser feito em casa ou em um lugar
reservado. Não no meio de todo mundo, de forma exibicionista. Abrindo a blusa
no meio do povo, mostrando aquela auréola escurecida como uma crosta de sujeira
para qualquer um que estiver ali. Outra mulher entende. Mas homens solteiros
ficam constrangidos. Se a mulher fosse bonita, Geraldo tinha vontade de ficar
babando. Mas era educado. Outros homens poderiam não ser.
E as crianças? Geraldo odiava. Principalmente as "pestes" e as
manhosas. Se irritava com criança que grita. Com bebê que geme como uma
maritaca. Se segurava para não mandar alguma calar a boca. Ainda tinha algum
respeito pelas crianças boazinhas e inteligentes, mais maduras. Não era
carinhoso, mas era educado. Só gostava de criança que queria brincar com ele.
Ainda assim tentava ignorá-la, evitando encarar.
De qualquer forma, Geraldo se afastava de tudo isso. Primas e conhecidas
grávidas e amamentando, bebês barulhentos e crianças irritantes. Apesar de
educado, já arrumou confusões por causa da maternidade das outras. Estressado
com alguns problemas, já mandou um bebê chorão num ônibus calar a boca. Desceu
antes de chegar ao seu destino. Vaiado pelos outros passageiros. Já gritou e
empurrou um primo agitado que quase derrubou a sua mãe recém-saída de uma
cirurgia de fratura. Em relação às famosas, fechava e jogava longe qualquer
revista que mostrava uma celebridade grávida.
Jornalista, um dia Geraldo conheceu Amarilys, que era advogada do jornal
onde ele trabalhava. O encontro virou amizade, que virou namoro, que chegou a
noivado, mas não chegou a casamento oficial. A moça percebeu a rejeição do
amado às mulheres grávidas e crianças e deduziu que ele não queria ter filhos.
Geraldo evitou sua irmã grávida e depois seu sobrinho.
Para continuar com Amarilys, teve que esclarecer à amada:
— Eu não gosto de casamento que não seja o meu, de mulher grávida que
não seja de mim e de criança que não seja o meu filho. Mas o meu sonho é ser
pai, embora não pareça.
Amarilys aceitou a opinião do noivo. Sua gravidez veio antes do
casamento. Chegou a temer pela rejeição do amado. Geraldo se tornou o homem
mais feliz do mundo. Mas quis usar a gravidez de sua mulher como uma vingança,
um troféu, da mesma forma que as outras mulheres faziam.
A barriga de Amarilys ainda não estava aparente quando ele distribuiu
charutos para os colegas da redação do jornal. Ninguém aceitou. Todos deram
desculpas de que estavam ocupados. Ninguém se empolgou. Ninguém lhe deu
parabéns.
Em casa, a mãe foi a única que parabenizou o filho emocionada pelo
segundo neto que chegaria. O pai lhe deu um sermão, cobrando-lhe mais
responsabilidades e exigindo uma mudança de atitude:
— Vê se agora você passa a se interessar mais por mulheres grávidas e
crianças.
A irmã reagiu com frieza. Jogou na cara que ele a ignorou quando grávida
e rejeitou o próprio sobrinho. O cunhado idem. Os primos demonstraram
indiferença. Diferente do que ocorreu na família de Amarilys. A gravidez
da filha mais velha foi comemorada com festa. Na ausência de Geraldo, que
sequer recebeu os créditos pela gravidez. Para os pais, a filha foi gerada pelo
espírito santo.
Nas redes sociais da internet, ninguém compartilhava suas mensagens de
alegria, anunciando a espera pelo filho. Chegou a perder seguidores. Bloqueou
um que fez piada com as grávidas.
Ainda com a barriga discreta da mulher, Geraldo foi ao banco com ela.
Estava lotado, como de costume. Encaminhou imediatamente Amarilys para a fila
preferencial. Que também estava enorme. Ninguém lhe deu preferência porque
havia outras trinta gestantes na frente. E com a barriga ainda maior. Aliás,
Amarilys foi expulsa da fila porque não aparentava estar grávida. A vez de
Geraldo na quilométrica fila comum chegou primeiro.
Em outra ocasião, a barriga de Amarilys já estava grande. A moça sequer
aguentava ficar em pé. O casal entrou no metrô, que também estava lotado. Não
havia lugar para sentar. Todos os assentos preferenciais estavam ocupados por
seus usuários de direito, como idosos e deficientes físicos.
Todos, menos um. Uma mulher de aparentes quarenta anos estava sentada em
um assento preferencial. A mulher viu Geraldo e o reconheceu, mas ele não.
Propositalmente pegou um livro para ler. Acidentalmente, Amarilys roçou a sua
barriga no rosto da balzaquiana, que fez cara feia.
Geraldo percebeu a má vontade da mulher e começou a se estressar,
bufando. Ciente do temperamento forte do marido, Amarilys disse:
— Deixa comigo.
E pediu à mulher:
— Você poderia me ceder o lugar, por favor? É que eu estou grávida e estou
passando mal. E você ainda está no assento preferencial.
Contrariada, a outra fechou o livro, se levantou e a atendeu, sem pedir
desculpas. Depois que Geraldo e Amarilys foram embora, ela comentou com uma
amiga ao seu lado:
— Só dei porque eu realmente estava sentada no lugar errado. Se
estivesse em um banco comum não daria não. Esse marido dela se recusou a me
ceder o lugar quando eu estava grávida. E agora está provando do próprio
veneno. Bem-feito.
Mesmo realizando o seu sonho de ter uma mulher grávida dele, Geraldo
ainda manteve algumas opiniões. Como a de roupas. Pedia para Amarilys não
exibir tanto a barriga. Queria que ela usasse roupas mais discretas. Mas ao
mesmo tempo pretendia exibi-la como um troféu. E ninguém se importava.
A praia era o único lugar onde Geraldo deixava Amarilys expor a sua
barriga nua. Realizava outro momento que tanto sonhou. Ter a sua própria Leila
Diniz se exibindo de biquíni e barriguda. O casal curtia a sua praia, com
Geraldo orgulhoso, quando ouviu um homem musculoso falar com uma mulher que
mais parecia ser a sua irmã:
— Que coisa horrorosa! A mulher grávida com a barriga cheia de varizes.
Isso deveria ser proibido. E o cara convencido como se fosse o dono de um troféu.
Indignado, Geraldo virou-se para a barraca de trás e devolveu:
— É porque você nunca teve competência para engravidar ninguém, né?
Quando deixar de ser babaca você vai ficar tão ou mais orgulhoso do que eu!
O homem ficou quieto. Parecia ser uma boa pessoa, mas fez o comentário
infeliz como uma forma de desabafo. Curiosamente, um comentário que Geraldo
sempre se segurou para não soltar antes de engravidar alguém. Sentiu-se
respondendo a si mesmo no passado. Na internet bloqueou mais dois que o chamaram
de chato por postar fotos da esposa barriguda.
A gravidez de Amarilys estava chegando ao fim. E já era hora do
tradicional chá de bebê, que Geraldo fez questão de organizar e de participar.
Convidou a irmã, as primas e algumas colegas do jornal. Amarilys, que era
advogada, também chamou as colegas do escritório. Ninguém foi. A irmã de
Geraldo não gostava desse tipo de reunião e também deu o troco no irmão por ele
também ter esnobado a sua gravidez. As primas dele não puderam ir por motivos
pessoais. As dez deram a mesma desculpa! As irmãs e as colegas de Amarilys
sequer deram satisfação, que ela lhes cobrou depois que viu o marido arrasado e
até chorando de tão triste.
— O que eu fiz para ser boicotado desse jeito? Só porque não gosto de
gravidez e crianças dos outros? Mesmo não gostando de grávidas eu nunca deixei
de tratar com educação! E as crianças só tratei mal quando eu mesmo era
criança, quando estava muito estressado ou quando elas aprontavam. Ele
desabafou.
Amarilys sabia o motivo, mas nada falou, para não aborrecê-lo ainda
mais. Apenas o afagou. De uma das amigas ouviu a explicação para o
boicote.
— Me desculpa, Lys. Gostamos muito de você. Mas o seu marido é muito
estranho. Essa sua gravidez parece que é só dele. Parece que ele está te usando
como estandarte para se vingar de alguém! Sabemos muito bem que até você ficar
grávida ele detestava mulheres no seu estado e crianças. Desejo que você seja
muito feliz e que a sua filha nasça com saúde. Mas não queremos servir de
plateia para a exposição que o seu marido está fazendo.
As amigas não deixavam de ter razão, mas Amarilys ficou duas semanas sem
falar com elas e as irmãs. O mesmo fez Geraldo com a irmã, o cunhado e os
amigos.
E após nove meses de boicotes e mal-entendidos nasceu Celene, nome que
Geraldo fez questão de escolher. A menina só recebeu as visitas dos avós. Tios
e amigos dos pais sequer apareceram na maternidade e nem deram as caras
na casa do casal. Geraldo começou a enfrentar dificuldades para encontrar
padrinhos para a menina. A sua irmã não quis. Os amigos dos dois lados do casal
também não. Antes empolgadas, as irmãs de Amarilys também se negaram a batizar
a sobrinha. Celene não foi batizada por falta de padrinhos.
Apesar de já evitar postar fotos na internet para não perder mais
seguidores, Geraldo praticamente obrigou a esposa a amamentar a filha num
restaurante. Mesmo ainda não aprovando o gesto maternal em público, queria que
os outros sentissem o mesmo constrangimento que ele sentia quando era solteiro.
Mas ninguém se importou. A não ser um adolescente parrudo que parou e olhou
fixamente para um dos seios de Amarilys. Geraldo percebeu e reagiu:
— Tá olhando o quê? Perdeu alguma coisa?
— Os seios da sua mulher.
— O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE?
— Os seios da sua mulher.
— ESCUTA AQUI. EU SOU O MARIDO DELA E EU EXIJO RESPEITO, TÁ???
— Se quisesse respeito não deixava a sua mulher mostrar os peitões dela
no meio do restaurante para amamentar.
— REPETE O QUE VOCÊ DISSE!
— FOI ISSO MESMO QUE VOCÊ OUVIU, BABACA! Respondeu o adolescente, antes
de levar um cruzado de Geraldo no seu queixo.
Começou uma briga entre os dois frequentadores do restaurante. Os dois
brigões e mais Amarilys foram expulsos do estabelecimento. Ela começava a
perder a paciência com o marido. A de Geraldo já estava esgotada.
Estourou quando um homem mandou a sua filha bebê calar a boca em um
consultório médico. Não brigou com o homem. Brigou com a própria menina. Ele
mesmo mandou a filha parar de gritar.
Boicotado pelos amigos e parentes durante a gravidez da sua mulher e o
batismo da filha, mas ofendido por estranhos, Geraldo se separou de Amarilys e
abandonou a filha. Voltou a morar com os pais e retomou o ódio por tudo:
casamento, gravidez, amamentação em público e crianças. Não só dos outros, como
também dele mesmo. Jamais quis ter mais filhos. Ficava revoltado porque as
outras podiam esfregar a gravidez na cara dele. Ele não.
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