Tinha uma família rica em
histórias. O tataravô fundou uma cidade na Alemanha e depois urbanizou um
bairro no Rio de Janeiro. O avô sobreviveu a um campo de concentração nazista. O
tio-avô foi aviador. Os pais se conheceram na faculdade e foram presos e
torturados pelo regime militar. O tio materno matou a esposa por ciúmes. A tia
paterna morreu num acidente aéreo. E o irmão mais velho, o único que tinha, foi
o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de ouro no ciclismo nas Olimpíadas.
Motivado por tantas
histórias que ouviu desde que começou a entender as coisas, Ricardo não hesitou
em fazer faculdade de História. Em cinco anos já estava formado. E
desempregado. Nunca conseguiu emprego. Nem como historiador, nem em nada.
Ricardo absorveu as
histórias da sua família durante trinta anos. Mas nunca aprendeu a contá-las.
Esquecia, gaguejava e quando contava, contava mal. Virou motivo de piada na
escola, na faculdade e até nas pós-graduações que fez. Neste caso, era
criticado pelas costas. Nunca conseguiu emprego por não saber se expressar.
Chegou aos trinta e cinco
anos com a conclusão de que, se ele herdou um rico passado familiar, iria morrer
sem deixar nenhuma história própria para as suas próximas gerações, pois também
nunca teve e jamais terá uma namorada E sequer um sobrinho, pois seu único irmão morreu atropelado durante uma competição, sem deixar filhos. Ricardo morreu sem histórias para
contar, sejam boas ou ruins.
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