A hora
da despedida chegara. Ele sabia que esse momento chegaria, mas não tão cedo. Desde que a conhecera que ele esperava. Kamila. Ele falou o
nome alto pra sentir o gosto na língua, ouvir o som e sentir o cheiro. Kamila.
Ele repetiu e sua boca encheu-se de água.
Ele
olhou ao redor no pequeno vão que chamava de casa. Verdade, não tinha muito o
que olhar. A cama, cujo colchão, de tão fino que deixava suas costas marcadas
pela madeira, erguia-se no chão trêmula. Sobre uma mesa encostada à parede
repousavam alguns pratos e copos lavados e secos e um fogão de duas bocas. Uma
única cadeira estava empurrada pra dentro dela. Próximo havia uma jarra para
armazenar água. Olhou para a cortina florida que fechava o banheiro. Um
beija-flor sugava o néctar de uma rosa. Na outra extremidade do vão havia uma
prateleira de ferro onde descansavam livros de todos os tipos e tamanhos.
Empoeirados, calados, mas que alimentavam sua mente durante todo o dia. Mais
nada.
Naquele
vão silencioso o sol, através das frestas das paredes de madeira, projetava
laminas de sua luz, provocando uma dança de poeira que lhe alegrava os olhos.
Ele rodou para dar uma ultima olhada no seu canto. Caminhou em direção a porta
e tocou levemente os livros com um nó na garganta.
Quando
saiu o sol fez seus olhos gritarem, mas aos poucos se acostumou. Ela o estava
esperando, mas ele ainda olhou para trás. Atravessou a soleira e olhou para o
lado direito da casa. O jardim que ele plantara. As rosas, as flores. Cresciam
belas aos seus cuidados. Pareciam sorrir para ele. No lado esquerdo uma pequena
horta de onde ele retirava parte de seus alimentos. Feijão, tomate, cebola e
outros também erguiam-se verdes e saudáveis. Tudo graças ao carinho com que ele
cuidava das suas coisas.
Ele
olhou para trás mais uma vez. Suas coisas. As coisas que lhe pertenciam. Seria
verdade? Algo realmente lhe pertencia? Ele contemplou cada coisa que julgava
ser sua. Elas pareciam brilhar muito mais que em qualquer outra vez que as
olhara. O que comprara, o que ganhara, era realmente seu? Ele balançou a cabeça
negativamente. Nada lhe pertencia. Nada. A verdade sobre isso era tão grande
que ele sequer sentia prazer em abandoná-las. Mas mesmo assim uma tristeza, por
mais ínfima que fosse, ainda habitava em seu peito. Por mais que nada lhe
pertencesse, ele sentia falta desde já de suas coisas. E elas continuavam com
seu brilho.
As rosas
brilhavam, a sua pequena plantação brilhava. Toda a estrutura soturna e lúdica
daquilo que chamava de sua casa brilhava. Cada pequeno objeto que havia naquele
pequeno local emanava uma luz diferente para ele hoje. Como se cobertos de
lágrimas de uma despedida. Como se gritassem para ele que não os abandonasse.
Tudo emitia um brilho peculiar, nunca antes visto por ele.
Ele
virou-se. Olhou para o portão. Lá estava ela. Kamila. Recostada ao lado da
cerca de madeira, a mão brincando com o pequeno portão que rangia de alegria ao
toque de suas mãos. O vestido branco dançava conduzido pelo vento. Seus cabelos
negros caíam sobre os ombros como noite negra cai sobre o dia. Ela o viu parado
diante da porta, com as costas para a casa. E sorriu.
Naquele
momento todo o brilho do mundo se apagou. Todos os objetos de todos os lugares
perderam seu brilho. A sua casa estava agora caída sob uma nuvem cinza. Tudo
que iluminava o mundo era o sorriso dela e ele caminhou em sua direção. Agora
no peito uma outra coisa habitava. Era paz.
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