PLAGIADO


Conto de Gustavo do Carmo





Sonhava ver seus contos e romances ganhando vida com atores de verdade. Idealizava o ator ideal para cada personagem. Aquela atriz bonita poderia inovar fazendo um papel de feia. Aquele ator que só faz papel de mocinho poderia interpretar um vilão perigoso pela primeira vez por ele. A ex-atriz mirim poderia fazer a sua primeira cena de nudez.

Além da realização profissional, Felipe Siqueira também vislumbrava o lado financeiro. Com o dinheiro dos direitos autorais que jorrariam em sua conta bancária, pensava em comprar um apartamento de quatro quartos na Barra da Tijuca para morar só com a mãe, porque a irmã já era casada e o pai não arredava o pé do subúrbio, onde o aspirante a escritor fora criado.

De fato, o romance As Faces de um Casamento virou filme. Com os mesmos atores que Felipe sonhava. As mesmas cenas que ele escreveu e os mesmos personagens que descreveu. A bela atriz por quem se masturbava fez uma explícita cena de nudez. O ator bonzinho virou um vilão feroz. Como desejava. As Faces de um Casamento rendeu milhões para o seu autor: Adriano Mendonça, um bonitão moreno, de barba cerrada, corpo escultural, casado com uma ex-colega de faculdade de Felipe.

O autor verdadeiro, claro, ficou revoltadíssimo. Aquela história era dele. Aqueles personagens eram dele. Desesperou-se porque não sabia como arrumar um advogado para entrar com um processo de plágio. Seus pais não tinham muita formação escolar e não conheciam nenhum advogado especializado em direitos autorais. A irmã era engenheira química e só tinha contatos na área dela, ou seja, a área científica. Mesmo assim, desdenhava do talento irmão e não acreditava nele. Nem o cunhado advogado poderia ajudá-lo, pois não tinha carteirinha da OAB e desistiu da profissão. Só queria saber da loja do sogro, pai de Felipe, que não queria trabalhar lá.

Felipe procurou um advogado sozinho. Foi pessoalmente ao escritório de um deles no Centro, após intensas pesquisas na internet. Encontrou um que cobrava apenas 20% da indenização se ganhasse ou cinco mil reais em caso de perda.  Na consulta, a advogada, uma bela morena clara de seios grandes, perguntou-lhe se ele havia registrado os contos. Felipe apresentou não só o comprovante de registro do romance como também o livro impresso e editado.

As Faces de um Casamento mostrava as fases de um casamento: a festa, a lua-de-mel, o nascimento dos filhos e a separação, provocada pela mudança de comportamento do marido, que se tornou agressivo e violento.

A causa foi aceita. No julgamento, Felipe depôs que mandou seu romance, já registrado, para incontáveis editoras e produtoras de cinema, na esperança de que alguém se interessasse em editar e/ou produzir. Também havia dado um exemplar de cortesia para um ex-professor de faculdade, amigo da esposa de Adriano. Ou seja, o plagiário teve acesso ao texto original e, assim, teria plagiado o romance. Mas não conseguiu provar, porque Adriano, por esperteza óbvia, não levou o livro para a audiência.

Felipe perdeu o processo. Seu romance foi comparado com o roteiro e chegou-se ao veredicto de que, apesar dos personagens e enredo parecidos, não há nenhuma semelhança no texto e nem no desenvolvimento do roteiro que, segundo a juíza, Adriano desenvolveu com melhor qualidade.

Depois da leitura da sentença, Camila, advogada de Felipe, deu um abraço fraternal em Adriano, que era seu primo, parabenizando-o pela vitória. Felipe foi condenado a pagar os altos custos do processo perdido, a indenização por danos morais a Adriano e a procurar um emprego, para repor a perda do patrimônio da família, que ficou à beira da falência.

Já Adriano ficou ainda mais rico. E só perdeu dez por cento da fortuna por causa de outro processo de plágio que enfrentou de um italiano pelo mesmo filme As faces de um casamento. 

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