Sonhava ver seus contos e
romances ganhando vida com atores de verdade. Idealizava o ator ideal para cada
personagem. Aquela atriz bonita poderia inovar fazendo um papel de feia. Aquele
ator que só faz papel de mocinho poderia interpretar um vilão perigoso pela
primeira vez por ele. A ex-atriz mirim poderia fazer a sua primeira cena de
nudez.
Além da realização
profissional, Felipe Siqueira também vislumbrava o lado financeiro. Com o
dinheiro dos direitos autorais que jorrariam em sua conta bancária, pensava em
comprar um apartamento de quatro quartos na Barra da Tijuca para morar só com a
mãe, porque a irmã já era casada e o pai não arredava o pé do subúrbio, onde o
aspirante a escritor fora criado.
De fato, o romance As
Faces de um Casamento virou filme. Com os mesmos atores que Felipe sonhava. As
mesmas cenas que ele escreveu e os mesmos personagens que descreveu. A bela
atriz por quem se masturbava fez uma explícita cena de nudez. O ator bonzinho
virou um vilão feroz. Como desejava. As Faces de um Casamento rendeu milhões
para o seu autor: Adriano Mendonça, um bonitão moreno, de barba cerrada, corpo
escultural, casado com uma ex-colega de faculdade de Felipe.
O autor verdadeiro, claro,
ficou revoltadíssimo. Aquela história era dele. Aqueles personagens eram dele.
Desesperou-se porque não sabia como arrumar um advogado para entrar com um
processo de plágio. Seus pais não tinham muita formação escolar e não conheciam
nenhum advogado especializado em direitos autorais. A irmã era engenheira
química e só tinha contatos na área dela, ou seja, a área científica. Mesmo
assim, desdenhava do talento irmão e não acreditava nele. Nem o cunhado
advogado poderia ajudá-lo, pois não tinha carteirinha da OAB e desistiu da
profissão. Só queria saber da loja do sogro, pai de Felipe, que não queria
trabalhar lá.
Felipe procurou um
advogado sozinho. Foi pessoalmente ao escritório de um deles no Centro, após
intensas pesquisas na internet. Encontrou um que cobrava apenas 20% da
indenização se ganhasse ou cinco mil reais em caso de perda. Na consulta, a advogada, uma bela morena
clara de seios grandes, perguntou-lhe se ele havia registrado os contos. Felipe
apresentou não só o comprovante de registro do romance como também o livro
impresso e editado.
As Faces de um Casamento mostrava as fases de
um casamento: a festa, a lua-de-mel, o nascimento dos filhos e a separação,
provocada pela mudança de comportamento do marido, que se tornou agressivo e
violento.
A causa foi aceita. No
julgamento, Felipe depôs que mandou seu romance, já registrado, para
incontáveis editoras e produtoras de cinema, na esperança de que alguém se
interessasse em editar e/ou produzir. Também havia dado um exemplar de cortesia
para um ex-professor de faculdade, amigo da esposa de Adriano. Ou seja, o
plagiário teve acesso ao texto original e, assim, teria plagiado o romance. Mas
não conseguiu provar, porque Adriano, por esperteza óbvia, não levou o livro
para a audiência.
Felipe perdeu o processo.
Seu romance foi comparado com o roteiro e chegou-se ao veredicto de que, apesar
dos personagens e enredo parecidos, não há nenhuma semelhança no texto e nem no
desenvolvimento do roteiro que, segundo a juíza, Adriano desenvolveu com melhor
qualidade.
Depois da leitura da
sentença, Camila, advogada de Felipe, deu um abraço fraternal em Adriano, que
era seu primo, parabenizando-o pela vitória. Felipe foi condenado a pagar os
altos custos do processo perdido, a indenização por danos morais a Adriano e a
procurar um emprego, para repor a perda do patrimônio da família, que ficou à
beira da falência.
Já Adriano ficou ainda
mais rico. E só perdeu dez por cento da fortuna por causa de outro processo de
plágio que enfrentou de um italiano pelo mesmo filme As faces de um casamento.
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