TARDE DEMAIS 15

Por Gustavo do Carmo




A mão velha e cansada tecla o moderno, mas modesto, telefone sem fio e o leva tremendo para o ouvido. Ouve cinco toques com a sua audição já abatida pelos seus 78 anos. Antes do sexto, uma voz jovem e feminina atende.

— Alô?!

— Alô. É o celular do Miguel Souza? Pergunta, com a voz igualmente trêmula e cansada.

— É sim! Quem está falando?



— Aqui é o escritor Rodolfo Oliva. Ele me pediu uma oportunidade há algum tempo e estou ligando para oferecê-la.

— Bem, ele está aqui perto, vou chamá-lo. Disse, prestativa, a bela e jovem moça.

— Você é irmã dele?

— Não. Sou a assessora de imprensa. Um momento, vou passar para ele. Diz, antes de comunicar o autor da ligação e passar o celular para um homem forte, aparentando uns quarenta anos, cabelos grisalhos, que recebe gentilmente o aparelho e atende:

— Miguel Souza falando.

— Miguel, aqui é o Rodolfo Oliva, lembra de mim? Você esteve na minha casa.

— Lembro, mas esse Rodolfo Oliva não morreu? Estou até estranhando a sua ligação.

— Essa imprensa é fogo!  Não sabe informar direito. Tive realmente um enfarte, mas já saíram logo noticiando a minha morte.

— Assim que eu soube da sua falsa morte, briguei com o meu pai e saí de casa. No caminho fui atropelado e prensado. Sobrevivi por milagre. Passei um mês em coma.

— Bem, eu te liguei para te apresentar a um amigo meu que quer ler os seus contos.

— Pô, eu gostaria muito. Mas agora, me desculpa, eu não preciso mais. Já sou um escritor famoso.

— Escritor famoso??? Quem diria! Parabéns! Como você conseguiu?

— Eu chamei a atenção dos jornalistas por ter sobrevivido diante da gravidade do acidente. Depois, eu escrevi um relato sobre a minha dura recuperação. Ainda assim, fiquei com seqüelas. Estou andando de cadeira de rodas. Publiquei o livro, ele foi bem vendido e fiquei famoso. Com a fama, aproveitei para lançar meus contos, que também fizeram sucesso. Mas, desculpa perguntar: como não ficou sabendo do meu caso, se estava tão animado a me ajudar? Por que só veio me procurar quinze anos depois?

— Ah, meu filho! É uma longa história. Depois do infarto entrei em depressão. Minha vida se desmoronou toda. Fiquei recluso. Parei de ler jornais. Fiquei preocupado só comigo. Agora já estou melhor. Fiz novas amizades, inclusive com esse amigo editor que eu ia te apresentar, mas agora não precisa mais, né? Sorri envergonhado, o velho quase octogenário.

— Pois é! O seu contato veio tarde demais, mas tudo bem. Tá perdoado. Agora sou eu que quero te ajudar. Afinal, de uma forma ou de outra, você mudou minha vida. Passa aqui pra gente tomar um café. Eu vou dar o endereço do meu escritório, anota aí.

Depois de anotar o endereço com muita dificuldade por causa do Mal de Parkinson que se manifestou, Rodolfo diz:

— Pode deixar. Aí a gente aproveita para fazer uma parceria, já que não precisa mais da minha ajuda.

— Com certeza. Mas sua ajuda será sempre bem-vinda. Bom, preciso desligar, que eu vou viajar agora para a Feira Internacional do Livro em Berlim.

— Ok, boa viagem. E parabéns pelo sucesso.

Depois de desligar o telefone sem fio, o velho Rodolfo Oliva se levanta esperançoso com a parceria com o seu antigo fã, que poderá lhe trazer a volta de sua fama. Depois do enfarte, da depressão e do Mal de Parkinson, o outrora famoso escritor ficou esquecido pela mídia que o idolatrava.

Ele sabia, sim, que Miguel ficara famoso. Mas a história do editor amigo e da recuperação da depressão era mentira. Por isso, agora era ele quem estava, indiretamente, lhe pedindo uma ajuda. A decisão de procurá-lo partiu tarde demais. Rodolfo não acordou no dia seguinte.      

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