A
mão velha e cansada tecla o moderno, mas modesto, telefone sem fio e o leva
tremendo para o ouvido. Ouve cinco toques com a sua audição já abatida pelos
seus 78 anos. Antes do sexto, uma voz jovem e feminina atende.
—
Alô?!
—
Alô. É o celular do Miguel Souza? Pergunta, com a voz igualmente trêmula e
cansada.
—
Aqui é o escritor Rodolfo Oliva. Ele me pediu uma oportunidade há algum tempo e
estou ligando para oferecê-la.
—
Bem, ele está aqui perto, vou chamá-lo. Disse, prestativa, a bela e jovem moça.
—
Você é irmã dele?
—
Não. Sou a assessora de imprensa. Um momento, vou passar para ele. Diz, antes
de comunicar o autor da ligação e passar o celular para um homem forte,
aparentando uns quarenta anos, cabelos grisalhos, que recebe gentilmente o
aparelho e atende:
—
Miguel Souza falando.
—
Miguel, aqui é o Rodolfo Oliva, lembra de mim? Você esteve na minha casa.
—
Lembro, mas esse Rodolfo Oliva não morreu? Estou até estranhando a sua ligação.
—
Essa imprensa é fogo! Não sabe informar
direito. Tive realmente um enfarte, mas já saíram logo noticiando a minha
morte.
—
Assim que eu soube da sua falsa morte, briguei com o meu pai e saí de casa. No
caminho fui atropelado e prensado. Sobrevivi por milagre. Passei um mês em
coma.
—
Bem, eu te liguei para te apresentar a um amigo meu que quer ler os seus
contos.
—
Pô, eu gostaria muito. Mas agora, me desculpa, eu não preciso mais. Já sou um
escritor famoso.
—
Escritor famoso??? Quem diria! Parabéns! Como você conseguiu?
—
Eu chamei a atenção dos jornalistas por ter sobrevivido diante da gravidade do
acidente. Depois, eu escrevi um relato sobre a minha dura recuperação. Ainda
assim, fiquei com seqüelas. Estou andando de cadeira de rodas. Publiquei o
livro, ele foi bem vendido e fiquei famoso. Com a fama, aproveitei para lançar
meus contos, que também fizeram sucesso. Mas, desculpa perguntar: como não
ficou sabendo do meu caso, se estava tão animado a me ajudar? Por que só veio
me procurar quinze anos depois?
—
Ah, meu filho! É uma longa história. Depois do infarto entrei em depressão.
Minha vida se desmoronou toda. Fiquei recluso. Parei de ler jornais. Fiquei
preocupado só comigo. Agora já estou melhor. Fiz novas amizades, inclusive com
esse amigo editor que eu ia te apresentar, mas agora não precisa mais, né?
Sorri envergonhado, o velho quase octogenário.
—
Pois é! O seu contato veio tarde demais, mas tudo bem. Tá perdoado. Agora sou
eu que quero te ajudar. Afinal, de uma forma ou de outra, você mudou minha
vida. Passa aqui pra gente tomar um café. Eu vou dar o endereço do meu
escritório, anota aí.
Depois
de anotar o endereço com muita dificuldade por causa do Mal de Parkinson que se
manifestou, Rodolfo diz:
—
Pode deixar. Aí a gente aproveita para fazer uma parceria, já que não precisa
mais da minha ajuda.
—
Com certeza. Mas sua ajuda será sempre bem-vinda. Bom, preciso desligar, que eu
vou viajar agora para a Feira Internacional do Livro em Berlim.
—
Ok, boa viagem. E parabéns pelo sucesso.
Depois
de desligar o telefone sem fio, o velho Rodolfo Oliva se levanta esperançoso
com a parceria com o seu antigo fã, que poderá lhe trazer a volta de sua fama.
Depois do enfarte, da depressão e do Mal de Parkinson, o outrora famoso
escritor ficou esquecido pela mídia que o idolatrava.
Ele
sabia, sim, que Miguel ficara famoso. Mas a história do editor amigo e da
recuperação da depressão era mentira. Por isso, agora era ele quem estava,
indiretamente, lhe pedindo uma ajuda. A decisão de procurá-lo partiu tarde
demais. Rodolfo não acordou no dia seguinte.
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