Por Hemerson Miranda
Sob o
sol triunfa uma primavera de cadáveres.
Emil
Cioran
O primeiro passo que demos
para fora da caverna desencadeou tudo o que conhecemos hoje. Deu origem a
evolução de nossos atos, ao progresso de nossa raça. E tudo aquilo que era
cinza de repente ficou colorido. O progresso. Unimo-nos com outros iguais a nós;
amigos, companheiros, amantes. Organizamo-nos em grupos e aqueles que nasceram
com o espírito de liderança nos encabeçaram, mas também haviam nascido aqueles
com espírito de inveja dos líderes e assim veio prontamente uma luta de ideias
e ideais. Houve cismas, discórdias, fofocas e desses grupos saíram outros
grupos que também possuíam um líder, do qual outros invejaram e formaram mais
grupos. A concorrência, a rivalidade, tudo o que nos dividia foi formando
uniões. A história nunca deixa de mostrar um rastro de ironia.
O progresso veio com a
necessidade. O entretenimento tomou o lugar da agonia, pelo menos enquanto
estavam literalmente entretidos. As invenções surgiram para facilitar a vida e
trazer mais conforto, ao passo que também trazia outras dificuldades, pelo
menos para alguns, pois nem todos são privilegiados todo o tempo. A necessidade
de comunicação, de companhia, de ganhos e não perdas, nos moldaram aos poucos e
o que antes era apenas grunhidos tornaram-se palavras que alegravam,
incentivavam e também machucavam. Tudo se adaptava ao progresso e mais rápido
as primeiras invenções se tornavam obsoletas, assim como seus inventores. Assim
como o último dente ao nascer nos arranca dores as mudanças que surgiam
pareciam nos rasgar a pela e revelar nossos brancos ossos.
Doenças surgiam e ao passo
que curas eram encontradas novas doenças nos olhavam de soslaio sorrindo.
Doenças que antes não existiam vieram devido ao nosso novo estilo de vida ou
por que as doenças anteriores estavam em constante progresso como nós?
O avanço de nossas ideias
veio para preservar a nossa estadia no planeta; para prolongar a vida de nossa
espécie, para continuarmos com a coroa de nossa própria criação. Há quem ache
vantagem nisso. Viver mais. E há quem não ache vantagem nenhuma, pois ao passo
que podemos tardar a nossa ida para a morte também não estaríamos prolongando o
sofrimento por aqui? Todo o avanço tecnológico que nos mantém confortáveis,
jovens, saudáveis também não está avançando para a forma mais eficaz de matar
nossos semelhantes? As guerras teriam acontecido se nós não puséssemos nosso pé
para fora da caverna? Não. Mas as grandes invenções humanas, os livros, as
músicas, a arte em todas as suas várias formas também não teriam existido. Mas
faria realmente alguma diferença? Para algumas faria, para outros não.
Você escreve um livro ou
pinta um quadro. Isso o torna famoso, não apenas em vida, mas também depois de
sua morte. As próximas gerações lembrarão de você, mas você não terá
consciência disso. No final apenas a morte triunfará. Assim alguns homens e
mulheres vivem colocando em sua vida esse sentido: de que mesmo que seja
esquecido pelo menos fez algo pelo mundo. Não quero dizer com isso que você
permaneça catatônico. De forma alguma. Faça o que bem entender. Se escolher o
ócio e o tédio; se escolher as baladas e o companheirismo; se escolher a
vagabundagem e a reflexão tanto faz. Mesmo que no final não tenha adiantado de
nada mesmo, você é quem escolhe se o pensamento de que nada vale a pena vai lhe
afetar diretamente ou não.
Criar-se-ão ainda muitas
formas de pensamento que o obrigarão a escolher um lado, a não ficar em cima do
muro. Pessoas que ou viveram já muito tempo ou estudaram para isso (na verdade
uma inútil verificação é o que a vida me parece) virão até você e demonstrarão
seu ponto de vista. Você pode escolher entre opiniões pré-definidas, pode criar
a sua baseada em outras ou até tentar ter uma original, mas não há muito pra
onde correr. Seja você um vagabundo, um vencedor ou um medíocre no final apenas
o vazio poderá te abraçar. Escolher se vai esperar esse vazio ou vai correr
logo para ele, adiantando-se a uma dor que sempre aparece para todos é uma
escolha sua. É como perceber que somos enfermos de uma doença chamada
consciência e então decidirmos se amamos ou odiamos Dostoiévski. O caso é que,
amando ou odiando ele o problema nunca será Dostoiévski, será sempre você.
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