Ela saiu do prédio em direção ao seu carro e viu preso no limpador
de pára-brisa um folheto que a principio não lhe chamou atenção e quase a fez
amassar e jogar fora, mas a curiosidade ao ver o título foi maior. Estava escrito
o seguinte:
Palestra
Desmotivacional
Com o
palestrante Henrique Castro
Venha conferir
como suportar a vida neste mundo miserável.
Hoje às
20:00
O sorriso foi inevitável e ela abafou a boca para impedir uma
gargalhada. Que conversa era aquela? Ela leu mais algumas vezes não acreditando
no que estava escrito. A foto de um homem pensativo estava logo abaixo das
palavras. Atrás estava escrito o endereço do local. Ela pensou novamente em se
livrar daquilo, mas desistiu. Dirigiu até sua casa ainda com a mensagem do
folheto na cabeça. Depois do jantar solitário ela olhou para o relógio. Faltavam
15 minutos para as 20 horas. Ela colocou as mão na cabeça não acreditando no
que estava prestes a fazer. Sorriu pelo nariz, deu um salto do sofá e, pegando
as chaves do carro, saiu em direção ao endereço no folheto.
Quando chegou ao local percebeu que a coisa realmente era séria. Um
prédio suntuoso fora escolhido para a palestra. Havia algumas pessoas do lado
de fora conversando. Ela passou por elas cumprimentando-as e entrou.
A sala era climatizada e um leve cheiro de eucalipto podia
sentir-se no ar. Quase todos os assentos estavam ocupados por pessoas vestidas
elegantemente, com ar de intelectuais, mas havia também pessoas vestidas
normalmente com características normais. Pessoas de todas as idades e classes
sociais podiam se ver ali.
Ela escolheu um lugar na segunda fileira. Sorriu para as pessoas
próximas que lhe devolveram o cumprimento. O quadro era totalmente oposto ao
que ela esperava. Pensava encontrar ali pessoas desesperadas e deprimidas, cada
uma portando sua própria corda para o suicídio. A visão de pessoas felizes e
falantes a deixou confusa e se perguntando se não estaria no lugar errado.
Após alguns instantes de espera todos se acomodaram educadamente e
aguardaram. As luzes enfraqueceram um pouco e a luz do palco foi ficando amis
intensa. Um homem surgiu por trás das cortinas. Era alto, usava óculos e tinha
um ar de intelectual antigo. Ela sentiu certa atração pelos seus cabelos
grisalhos e a forma como ele ajustava os óculos. Ele não cumprimentou os
presentes, apenas começou seu discurso com uma voz solene.
- Nascemos derrotados e isso pode ser um choque para você esta
noite, mas é a mais pura verdade. As pessoas se preocupam em vencer na vida,
mas a derrota é nossa sorte desde que saímos do útero materno. Ao nascermos já
estamos derrotados e a grande vitoriosa é a morte. Não importa quantos dias dure
a batalha, a guerra já foi vencida por ela. A vida na verdade é uma luta eterna
e inútil contra a morte. Todos os dias somos derrotados, pois quanto mais o
tempo vai passando mais perto de nossa derrota final estamos chegando. O que as
pessoas fazem então? Elas ocupam seu tempo tentando esquecer isso. Alienam-se
com hobbies, com música, com livros, com qualquer coisa que os deixe esquecer-se
da verdade. A verdade de que não importa o que façamos, já perdemos. A verdade
de que nada faz sentido.
A palestra durou 1 hora e todos os presentes ouviam atentamente. Algumas
vezes riam de algumas piadas que o palestrante dizia, outras vezes aplaudiam
com fervor. Ao termino ele mostrou um livro que estava a venda chamado O
Pensamento Crepuscular. Todos os exemplares foram vendidos e ela mesma comprou
um. A data, horário e endereço da próxima palestra fora marcado e todos se
mostraram dispostos a comparecer.
Ela voltou para o seu carro ao som dos cumprimentos das pessoas que
estavam junto dela, sorrindo como se tivessem acabado de sair de uma verdadeira
palestra motivacional. ela dirigia com a mente ainda na palestra. As palavras
ressoavam em sua mente como verdades reveladoras. Ela não compreendia como ou
porque, mas certamente esse fora o dia mais feliz de sua vida. O que não fazia
sentido.
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