Gustavo do Carmo
Nasceu
às oito e onze da manhã do dia 29 de fevereiro de 1976. Seu aniversário seria comemorado no dia 28 de fevereiro ou primeiro
de março? Ou só faria aniversário nos anos bissextos? Esta foi a segunda dúvida
que perseguiu Arnaldo Augusto na hora do nascimento do seu primeiro filho. A
primeira, que durou até a hora do parto, já foi resolvida: nasceu um menino. A
terceira foi escolher o nome da criança. Durante a gravidez, pensou em vários
nomes masculinos e femininos: Rafael, Marcos, Ricardo, Roberto, Reynaldo,
Ronaldo, Flavia, Luciana, Marcela, Mariana, Daniela... Como nasceu um menino,
Arnaldo Augusto optou, pelo menos, em começar o nome com a letra R.
Arnaldo
Augusto era um moreno claro de trinta anos, alto, cabelos castanhos, compridos
e lisos, bigode pequeno e costeleta. A mãe do bebê se
chamava Joanna, uma moça de cabelos cacheados negros, repartidos ao meio e
penteados para trás. Olhos verdes, pele lisa e clara. Cinco anos mais jovem do
que ele. Mãe de primeira viagem. Ainda não eram casados porque o rapaz não
sabia se casava ou não.
No
quarto, após o parto, Arnaldo Augusto acompanhava a sua namorada, deitada na
cama com a roupa azul do hospital, quando entrou a enfermeira, uma senhora loura
e gorda, com o bebê no colo e o entregou à nova mamãe.
“Oh”,
“Que gracinha”, “Meu filho”, “Vem cá com a mamãe”, “Ó o papai aqui” foram as
palavras que dominaram o quarto. Depois de acalmar a emoção dos pais, entrou
outra enfermeira, uma mulata de corpo violão com uma prancheta na mão, que
começou a pedir informações sobre a criança para o livro de registro do
nascimento no hospital.
—
Nome do pai?
—
Arnaldo Augusto Gomes Mendes.
—
Nome da mãe?
—
Monique — Joanna. Responderam ao mesmo tempo Arnaldo e Joanna.
A
enfermeira estranhou e perguntou:
—
É Monique ou Joanna?
—
É Joanna, enfermeira! Joanna Marques Campos! Ô Arnaldo! Você fala o nome da
minha rival bem na minha cara e na frente dos outros?
—
Desculpa meu bem.
Monique,
na verdade, era a outra namorada de Arnaldo. Loura de cabelos lisos. Tinha a
mesma idade de Joanna, de quem era amiga. Mesmo com o nascimento do filho, ele ainda não decidiu se ficaria com Joanna ou
Monique. A princípio, venceu Joanna, que teve o único filho dele. Monique era
estéril.
—
Vocês já escolheram o nome do bebê? Perguntou a enfermeira.
—
Ainda não. Respondeu Arnaldo.
—
Mas não têm nenhuma idéia? Poderiam me dar uma sugestão, por favor, para ajudar
na identificação do bebê no hospital?
—
Pode ser Ricardo, então. Decidiu Arnaldo.
—
Mas você não disse que ia pôr Ronaldo? Perguntou Joanna.
—
Olha, eu preciso atender uma paciente. Disse a enfermeira, olhando para o
relógio. — Vocês não preferem escolher depois?
—
Põe Ronaldo ou Ricardo. Assim mesmo. Com o “ou”. Sugeriu Arnaldo.
—
Arnaldo? Repreendeu Joanna.
—
Qual o problema? É um nome diferente.
—
Eu vou colocar assim mesmo. Qualquer coisa eu volto para corrigir. Até lá o
nome da criança estará definido, não estará? Encerrou a enfermeira.
No
cartório, o escrivão, um senhor barrigudo, esbravejou:
—
Ronaldo ou Ricardo? Está maluco? Está achando que eu sou idiota, rapaz?
—
Estou no direito de escolher o nome do meu filho. Eu quero Ronaldo ou Ricardo,
sim! Exigiu Arnaldo, também aos berros, indignado.
—
Baixe o tom comigo que você não está em sua casa, rapaz!
—
Está bem, meu senhor. Podemos negociar então? Propõs Arnaldo, tirando do bolso
a sua carteira e separando algumas notas de dinheiro.
E
após subornar o escrivão, a criança foi registrada como Ronaldo ou Ricardo
Campos Mendes.
Ronaldo
ou Ricardo cresceu com o carinho da mãe e do pai. Sempre morou com a mãe. Mas
nunca soube dizer se o pai morou ou não com ele. É que Arnaldo Augusto voltou a
namorar Monique e o menino acostumou-se a ver o pai dividido entre a amante e a
sua mãe. Mesmo assim, tinha o pai como o seu herói. Monique, por sua vez, fez
um tratamento de fertilidade e, quatro anos depois do nascimento de Ronaldo ou
Ricardo, conseguiu ter a sua primeira filha. Com Arnaldo Augusto. O nome da
criança? Maria ou Isabel. Assim mesmo. Com o “ou”.
Ronaldo
ou Ricardo e Maria ou Isabel eram irmãos que cresceram sabendo da existência um
do outro, mas sem convivência. Ronaldo ou Ricardo, quando adulto, herdou a
aparência do pai, o mesmo rosto fino, a mesma altura, mas com cabelos curtos,
sem costeletas e bigode.
Os
dois irmãos distantes tinham uma história em comum. Ambos viraram
motivos de chacota por colegas e professores na escola durante a infância. Mas
tiveram reações diferentes. Maria ou Isabel revoltou-se, fez terapia e, quando
completou dezoito anos, entrou na justiça para mudar o nome que passou à apenas
Maria Isabel. Ficou curada e transformou-se em uma mulher normal. Também
nascida em ano bissexto e na data quadrienal, foi registrada como nascida no
dia primeiro de março.
Ronaldo
ou Ricardo assumiu a dubiedade do seu nome como a sua marca. Cresceu indeciso. Demorava
a escolher os presentes. Sempre levava quatro horas para escolher uma roupa em
casa ou na loja. No supermercado demorava seis horas. Não
sabia em que data marcar a festa de aniversário para os amigos tendo mantido a
data de 29 de fevereiro em sua certidão. Ficou confuso na hora de escolher o
time de futebol. Torcia pelo Flamengo e pelo Fluminense. Foi difícil dar o
primeiro beijo quando criança e perder a virgindade quando adolescente. As
namoradas que tinha se foram devido à sua ambigüidade.
Seu
caso preocupou a mãe, que o levou ao psicólogo infantil. O psicólogo lhe ajudou
ao menos a ser produtivo nos estudos. Quando virou homem, ficou indeciso na
hora de trocar de terapeuta. Na hora do vestibular, ficou em dúvida:
odontologia ou direito? Formou-se nos dois. Dentista e advogado. Bom
profissional, para alívio de seus pacientes e clientes.
Em
cada faculdade conheceu uma bela garota. Na de direito, conheceu Paula, uma
morena de cabelos médios. Na de odonto, Paula, também. De cabelos curtos e loura.
Perdeu a virgindade com a Paula do direito. No dia seguinte, transou com a
Paula de odontologia. Mas engravidou somente a namorada advogada.
Antes
de ter a alegria de ser pai, teve a tristeza de perder o seu. Arnaldo Augusto sofreu
um enfarte fulminante aos 58 anos. No velório, Ronaldo ou Ricardo conheceu a
irmã paterna Maria Isabel. Naquela hora, ambos fizeram a mesma pergunta: cremar
ou enterrar? Antes de morrer Arnaldo decidiu em cartório: quis ser cremado. Mas
Ronaldo ou Ricardo queria um túmulo para lembrar sempre do pai. Isabel cremou o
corpo e Ronaldo ou Ricardo enterrou seus restos mortais num jazigo.
Chegou
a hora do nascimento do filho. O mesmo obstetra que trouxe Ronaldo ou Ricardo
ao mundo fez o parto de Paula. O doutor Cláudio já estava aposentado. Mas
voltou a trabalhar especialmente para atender a nora de Joanna, que o indicou
para fazer o parto de seu primeiro neto, que nasceu, por acaso, no dia 29 de
fevereiro de 2004.
No
quarto, Ronaldo ou Ricardo recebeu o filho da mesma enfermeira que o registrou
na maternidade quando nasceu. Ela agora uma senhora gorda.
—
Nome do papai?
—
Ronaldo ou Ricardo.
—
Você está gozando com a minha cara? Perguntou a enfermeira após um riso
sarcástico.
—
Não. É esse mesmo o meu nome: Ronaldo ou Ricardo Campos Mendes.
—
Então você é o bebê que eu registrei anos atrás porque o seu pai não tinha
resolvido o nome?
Ronaldo
ou Ricardo respondeu balançando a cabeça.
—
E ficou assim mesmo?
Resignada,
anotou o nome do pai, da mãe e pediu o nome do bebê.
—
Ronaldo ou Ricardo Campos Mendes Júnior ou Filho.
1 Comentários
Este texto está magnífico! Demosnstra bem o interior de cada um de nós na tomada de decisões importantes e menos importantes.
O seu livro, vai ter sucesso no campo da Psicologia, pois a mente humana é muito complexa.
Você, com um simples conto do seu livro, demonstra o quanto realmente somos complexos - uns mais do que outros - na tomada de dicisões.
Parabéns!