OLHA QUE ISSO AQUI É BOM DEMAIS
Por Gustavo Carvalho do Carmo
Dia 24 de junho é dia de São João, o santo mais comemorado pelas cidades do interior do Brasil e o dono da festa junina mais popular. E foi nesta mesma data, há vinte e cinco anos, que a Rede Globo colocou no ar o primeiro capítulo de Roque Santeiro, uma novela rural que marcou época na história da teledramaturgia brasileira. No entanto, a história de Roque Santeiro foi uma segunda tentativa da emissora de produzir uma novela baseada na peça de Dias Gomes, O Berço do Herói (1963).
Segunda tentativa porque menos de dez anos antes, no dia 27/08/1975, o locutor Cid Moreira era obrigado a ler no Jornal Nacional um editorial em que anunciava o veto da censura à novela que estrearia meia hora depois. A Censura Federal acusava a novela de ofender a moral, a ordem pública e os bons costumes, além de criticar a Igreja. Com 10 capítulos prontos para ir ao ar e mais 30 gravados, a produção teve de ser cancelada, e Janete Clair, esposa de Dias Gomes, teve de escrever Pecado Capital às pressas enquanto Selva de Pedra era reprisada.
O triângulo amoroso formado por Roque Santeiro, Viúva Porcina e Sinhozinho Malta foi interpretado na versão censurada por Francisco Cuoco, Betty Faria e Lima Duarte, respectivamente. Não foi à toa que os mesmos atores encarnaram o motorista de táxi Carlão, a operária Lucinha e o empresário Salviano Lisboa
Uma década depois, o Brasil já era governado por José Sarney há dois meses e, embora a censura só fosse abolida na Constituição de 1988, já estávamos em uma fase mais democrática. Então, a novela foi liberada. Porém, foi reproduzida desde o começo com outro diretor (saiu Daniel Filho para a entrada do quarteto formado por Gonzaga Blota, Marcos Paulo, Jayme Monjardim e Paulo Ubiratan). O próprio Dias Gomes ganhou o reforço de Aguinaldo Silva e mais dois colaboradores como Joaquim Assis e Marcílio Moraes (que escreveu Essas Mulheres para a Record). Entre o trio de protagonistas, somente Lima Duarte continuou para fazer Sinhozinho Malta (só que agora de bigode). O personagem-título foi interpretado por José Wilker e Regina Duarte fez da espalhafatosa Porcina um dos seus mais marcantes trabalhos.
A novela se passava na cidade fictícia de Asa Branca, no Nordeste brasileiro, onde o coroinha Luís Roque Duarte que, com a sua habilidade de modelar imagens de santos tinha o apelido de Roque Santeiro, era assassinado ao defender a cidade do bandido Navalhada. Depois de fazer supostos milagres, Roque passou a ser considerado pelo povo da cidade como santo e Asa Branca faturou com o turismo religioso. Mas o que ninguém sabia era que o novo "padroeiro" da cidade voltaria vivo e disposto a acabar com a farsa.
Quem não gostou nada da volta de Roque Santeiro foram o Padre Hipólito (Paulo Gracindo), o comerciante Zé das Medalhas (Armando Bógus) e o fazendeiro Sinhozinho Malta. Os dois primeiros temiam a queda do turismo na cidade com a derrubada do mito e Malta porque mantinha um romance com Porcina, uma rica mulher que ficou conhecida como a viúva do Roque sem nunca ter casado com ele, jogada de marketing inventada pelo fazendeiro. Naturalmente forma-se um triângulo amoroso. Mas a verdadeira noiva de Roque era Mocinha (Lucinha Lins), a filha do prefeito Abelha (Ary Fontoura) e da beata Pombinha (Eloísa Mafalda), e que se manteve virgem esperando pela volta do amado desaparecido. Mocinha também era a musa do esquisito Professor Astromar Junqueira (Ruy Rezende).
A pacata cidade ainda foi agitada pela chegada de Matilde que abriu no lugar da Pousada do Sossego a boate Sexus com a suas meninas Ninon e Rosaly, vindas do Rio de Janeiro. Não precisa nem dizer que Dona Pombinha e o Padre Hipólito foram os primeiros a se manifestarem contra a casa noturna. Outro burburinho foi provocado pela chegada do cineasta Gérson do Valle (Ewerton de Castro) e sua equipe de produção do filme sobre a história de Roque Santeiro, estrelado por Roberto Mathias (interpretação memorável do cantor Fábio Júnior) no papel do falso santo. Nos intervalos das gravações, Mathias aproveitava para se envolver com a verdadeira Viúva Porcina, com Tânia (filha rebelde de Sinhozinho Malta) e Dona Lulu (esposa de Zé das Medalhas).
A novela também abordou a Reforma Agrária, defendida por Tânia e o Padre Albano (Cláudio Cavalcanti), o que provocava a divisão da Igreja com o liberal Albano de um lado e o conservador Hipólito do outro.
Além de Lima Duarte, Milton Gonçalves, Elisângela, Luiz Armando Queiroz, Tony Tornado, Ilva Niño, Luís Carlos Barroso trabalharam nas duas versões. Milton (Padre Hipólito virou o promotor público Lourival) e Elisângela (era Tânia virou Marilda, mulher de Roberto Mathias) trocaram de personagens. Os restantes mantiveram Tito, Rodésio, Mina e Toninho Jiló, respectivamente. A curiosidade é que Barroso ainda estava na pré-puberdade na primeira versão. Outros atores foram revelados na segunda versão como Cláudia Raia, Alexandre Frota e Maurício Mattar.
Uma novela rural como Roque Santeiro fez a Globo mudar a estratégia musical e lançar dois discos nacionais em vez das tradicionais trilhas nacional e internacional. Santa-Fé, cantada por Moraes Moreira foi a música de abertura da novela. Roque Santeiro, de Sá e Guarabira era o tema da cidade. Isso Aqui Tá Bom Demais (Dominguinhos e Chico Buarque) era tocada para Sinhozinho Malta enquanto a romântica Dona do grupo urbano Roupa Nova era o tema da Viúva Porcina. Também marcaram como tema "De Volta Pro Meu Aconchego" (Elba Ramalho), "Mistérios da Meia-Noite" (Zé Ramalho), "Sem pecado e Sem Juízo" (Baby Consuelo) e "Chora Coração" (Wando).
Roque Santeiro teve 209 capítulos e encerrou-se no dia 21 de fevereiro de 1986. Foi reprisada duas vezes. A primeira na extinta "Sessão Aventura" em 1991 e a última no apropriado "Vale a pena ver de novo" em 2000.
Fonte de consulta: www.teledramaturgia.com.br
1 Comentários
Gostei de ver, sobretudo pelo maravilhoso elenco.
"Estou certo, ou estou errado?"
Abraços!