TIRA O PÉ DO ACELERADOR

Por Ed Santos

“Desde ontem tô meio estranha. Com uma coisa aqui na barriga”. Foi assim que recebi o bom dia da Irene esta manhã. Ela tinha se revirado na cama a noite toda, e eu com meu sono leve acompanhei sua dança dos lençóis. Ela nunca havia reclamado de nada semelhante durante estes anos todos.

Nos últimos meses, vamos combinar que o bicho pegou lá em casa. Reforma, contas pra pagar, corre-corre de fim de ano, e o bendito poodle que teve um problema lá nas costas que teve que ficar internado durante uma semana. O tal do cachorro-de-madame lá de casa, não satisfeito com os petit gateaus providenciados diariamente pela dona Irene resolveu agora dar despesa maior com diárias no veterinário e florais para a coluna.

Não sei quem inventou essa história de pet. É pet daqui, pet de lá. No meu tempo de criança (primeiro neto - fui criado com a minha avó e tias – será esse o problema?) lembro que o Duque nunca precisou ir no veterinário. O vira-latas do meu avô respeitava todos de casa, mas se aparecesse alguém de fora ele já mostrava os caninos e avançava sem piedade. E não lembro em momento algum de alguém levando ele no veterinário por mais que fosse uma diarréia mal cuidada. Naquele tempo as rações eram pouco comercializadas e os cachorros fartavam-se com a raspa do tacho. Nos momentos de gratidão da minha vózinha, o cão era feliz em saborear uma deliciosa polenta com arroz e pé de frango.

O certo é que aquela indisposição da Irene era uma dor de estômago proveniente de uma gastritezinha adquirida por conseqüência do stress e da rotina atribulada. Mas olha só, nem disso as pessoas eram acometidas em tempos passados. Quando um tinha dor de estômago, era porque muito provavelmente havia comido alguma coisa que não descera bem. Stress não existia.

Fiquei muito bravo com a Irene porque sempre pedi pra ela se alimentar melhor, cuidar mais da saúde e fazer exercícios físicos. Ela tentando me agradar, até comprou um daqueles simuladores de caminhada vendidos nos canais de TV. Já faz pelo menos uns seis meses que ele tá lá no armário guardado. Outra coisa que sempre peço é que ela pense mais em si própria, e forço: “Deixa essa maquina de lavar roupa pra depois e senta aqui do meu lado pra gente se curtir um pouco!”, e a resposta: “Pérai que to terminando aqui! A gente precisa fazer as coisas primeiro, depois descansa!”. Eu sempre defendi que primeiro eu tenho que ficar bem pra fazer “as coisas”, e não fazer “as coisas” primeiro pra depois ficar bem. Um dia a gente se acerta.

Então, depois de uns bons goles de leite gelado diariamente e de suco de couve tomado sem açúcar e em jejum todo dia, a Irene pôde enfim, voltar a dormir bem, e acordar melhor. Parece que tirou o pé do acelerador. Eu é que continuei com minha ingrata insônia e meu sono de bebê. Agora são o poodle não para de latir à noite toda, e eu, dormir que é bom...

Postar um comentário

0 Comentários