DUZENTOS E TRINTA E UM PASSOS

Por Ed Santos

Só viu de longe. A menina com seus quinze, dezesseis anos leva a pasta verde debaixo do braço. Por onde passa deixa um rastro de vulgaridade e um cheiro de desodorante de segunda. Ela espera um fusca bege passar e atravessa a rua sobre aquele tamanco ridículo. Viu que se não apertasse o passo, o motoboy tinha pegado. Ele buzinou, ela parou e mostrou o “pai-de-todos”, seguido de um sonoro, mas delicado “filho-da-puta”!

Parou na barraquinha de doces e comprou um tablete de chicletes do mais vagabundo. O que ela estava mascando já sem doce, foi desprezado no asfalto quente. Teria o destino semelhante a muitos outros que grudam no chinelo da dona Maria.

Ele estava sentado no banco do ponto de ônibus do outro lado da rua, só olhando. Contou os passos dela; foram cento e quarenta e três desde o fusca bege até a barraca de chicletes. A típica jovem que mora na periferia e saiu de casa para estudar, mas ganha a rua e vai pra vida. Não estudava nada, mas era escolada. Bolha de sabão soprava ao vento, segue sem destino e mal sabe que chegada a hora, estoura.

Ele acompanha os oitenta e sete passos dados da barraca até ela desaparecer na rampa de acesso à bilheteria. Nesses duzentos e trinta passos ficaram fotografados seus segredos. Ela ganha a vida pelo prazer dos outros e não tem certeza se é feliz com essa disponibilidade doada.

Levanta-se o súdito do contemplar, dá nove passos até entrar no ônibus e mais sete até a catraca, depois mais três até sentar-se. O problema todo não é a jovem que vende o corpo, quanto ela cobra, quantos clientes atende por dia. O problema também não é como estaria a família dela agora. E que horas iria voltar? O que lhe incomodava era o fato de que quando ela parou para comprar chicletes na barraquinha, teve a impressão de vê-la olhando pra trás, como que se desconfiando que estava sendo observada. A dúvida era potente e pairava sob a cobertura daquele ponto de ônibus. Teria ela realmente olhado para trás? Será que ele foi percebido? Se ela olhou pra trás, possivelmente deu mais um passo, então a somatória seria duzentos e trinta e um, e não os iniciais duzentos e trinta.

Deu onze passos e desceu do ônibus pelo menos com a certeza de que quando ela voltou a caminhar depois de comprar os chicletes, sacanamente tirou a calcinha da bunda por debaixo da saia.

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1 Comentários

Anônimo disse…
Pelo visto, o personagem que narra é um voyer e é tão vulgar quanto o objeto observado, a jovem prostituta, pois afinal, é muita falta do que fazer ficar contando os passos de terceiros. Por certo estava com segundas intenções...e não teve coragem de uma abordagem direta...