“Não!
Você não pode fazer isso comigo! Não, não... Quer saber? Tô fora!”
Ela
deu as costas ao seu colega e saiu de cena. Parou e olhou para o palco. O ator
olhava para o chão, triste. Após alguns segundos ele iria olhar para a platéia
e começar o seu terrível monólogo.
“E
aí, deu pra pelo menos cobrir os custos de hoje?”, disse para um dos caras da
produção que era seu amigo. Segurava uma prancheta.
“Não.
Pagantes têm acho que uns 15, se muito. O resto ou é convidado ou penetra. A
gente tá com os dias contados.”
“Puta
que pariu...”
“É...
Mas você pelo menos tem aquele programa de rádio. Se isso aqui acabar, não sei
de onde eu vou tirar dinheiro pra pagar a passagem pra Itu.”
“Ih,
mas aquilo lá não paga nem a conta de luz. É uma miséria.”
Os
dois ficaram em silêncio.
“Vamo
tomar uma?”
“Agora?
Mas você não tem que ir lá no final e...?”
“E
fazer o quê? Eu apareço em duas cenas. A “platéia” não vai nem se lembrar de
mim na reverência.”
“Tá,
vai na frente que eu te alcanço.”
“Beleza.”
“No
da esquina?”
“E
tem outro que eu posso pedir fiado?”
Ele
acenou enquanto ela ia em direção ao camarim.
Trocou-se,
colocou um jeans e camiseta e em menos de 10 minutos estava no bar.
Estava
vazio. Era uma segunda-feira. A única noite que ainda conseguiam alugar o
teatro.
Pediu
uma garrafa e sentou-se a uma das mesas de madeira dobráveis.
O
dono do bar trouxe uma garrafa de cerveja.
“Ei
dona, tem como você me pagar hoje? É que já faz mais de um mês...”
“Então,
Berê, eu queria acertar mesmo. É que a grana tá curta, a peça quase sendo
cancelada...”
“Eu
sei que ta difícil dona, mas—”
“Olha,
a única coisa que eu tenho é isso aqui.”
Ela
mostrou seu relógio na mão esquerda.
“Ih, não sei não, dona.”
“Foi
um presente. É original. Deve valer pelo menos uns duzentos reais.”
“Pra
quem eu vou vender isso?”
Ela
tirou o relógio do pulso e colocou na mão do homem.
“Por
favor. Se entrar alguma coisa essa semana eu venho aqui, te pago e levo o
relógio de volta.”
Ele
ficou relutante.
“Ô
chefia! Vê mais uma aqui”, um bêbado no balcão levantava a garrafa vazia.
O
dono do bar acenou com a mão que já ia atendê-lo.
“Tá,
vou ver o que eu consigo fazer”, disse ele e foi embora para trás do balcão.
Ela
tomou o primeiro gole da cerveja. Colocou a garrafa simetricamente no centro da
mesa, com o rótulo virado para ela. Olhou as costas das mãos. As unhas
começavam a descascar. Respirou fundo.
O
narrador gritou gol no rádio mal sintonizado.
Um dos
bêbados perguntou De quem?
Do Parmera, respondeu o menos chumbado.
Mais que merda!, devolveu o que estava mais ou menos.
Ela
não era torcedora fanática do Corinthians, mas sentiu um pouquinho de raiva.
Tirou
o celular do bolso. Três mensagens recebidas. Todas da operadora dizendo que o
saldo estava acabando.
Não vai vim mais?
Mandou
a mensagem para o amigo da produção. Pôs o celular na mesa.
O
narrador grita Na trave!
Ela
toma outro gole.
O
produtor chegou e antes de se sentar pegou uma cerveja no balcão. Aproximou-se
dela e ficou parado na beirada da mesa. Tomou um gole. Tirou a mochila,
colocou-a no chão e sentou-se.
“Que
cara é essa?”, ela disse com as sobrancelhas levantadas.
“Acabou.”
“O
quê? A peça?”
“É,
acabaram de me dizer. Talvez tenha mais uma apresentação semana que vem por
causa dos ingressos vendidos, mas é mais provável que eles só reembolsem.”
“Nossa...”
“É...”
Os
dois beberam.
Ficaram
em silêncio.
Saiu
mais um gol.
Ela
não reparou de quem.
“E
agora?”
“Agora?
Agora eu não sei. Talvez eu volte pra Itu, talvez...”
“Ei”, ela o interrompeu. “Talvez eu vá
com você.”
Riram
tristemente.
Ela
balançou a garrafa. Estava vazia.
“Olha
só, tá furada.”
Levantou-se.
“Quer
outra?”
“Não.
Ainda está na metade.”
“Beleza.”
“Ah,
traz um salgadinho.”
“Qual?”
“Pode
ser o de pimenta mexicana.”
Começou
a andar em direção ao balcão.
Poderia
viver sem aquele relógio, pensou.
Conto
de Lucas Beça
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