LITERATURA BRASILEIRA IGNORADA PELO NOBEL

ESCRITO POR : WEVERTON GALEASE

Lucas Araújo Design

A literatura brasileira é das mais férteis e criativas no universo das letras. Temos Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Osman Lins, Raduan Nassar. E, no entanto, não temos nenhum ganhador do Nobel de Literatura. Enquanto isso, a França já soma quinze vencedores do mais prestigiado prêmio literário do mundo. 

Apesar do abismo existente entre as Américas de línguas espanhola e portuguesa, os nossos vizinhos (ou nem tanto) também são destacados com vencedores do Nobel: Colômbia (Gabriel Garcia Marquez), Peru (Mario Vargas Llosa), Chile (Gabriela Mistral e Pablo Neruda), Nicarágua (Miguel Angel Astúrias), México (Octavio Paz).

Os membros da Academia Sueca, que concedem o Nobel anualmente, já foram acusados de julgamento político na hora de definir os ganhadores. Nos tempos da antiga União Soviética, escritores dissidentes e críticos do regime de ditadura habitualmente eram homenageados com o prêmio. Basta citar os exemplos de Boris Pasternak, Alexandre Soljenitsin, Mickail Sholokhov e Joseph Brodsky, todos ganhadores do Nobel de Literatura. E todos, independentemente das diferenças de estilo, equiparam-se por terem produzido obras geniais e por terem sido vítimas da censura soviética. O doutor Jivago (Pasternak) e Um dia na vida de Ivan Denisovich (Soljenitsin) estão entre os maiores romances daquela safra de talento e criatividade. 

Além da França, Estados Unidos, Grã Bretanha, Japão e Alemanha estão entre os países com maior número de ganhadores do Nobel. Entre outros países que constam desta lista, embora com rara frequência, aparecem Turquia, África do Sul, Egito, Espanha, Suécia, Suíça. E Portugal, com o inesquecível José Saramago. 

Nessas comparações, cabe perguntar: por que o Nobel de Literatura ignora o Brasil? Certamente comparações entre escritores estão fora de foco, cada um tem seu DNA literário e é bobagem tentar medir as qualidades de um frente aos defeitos de outro. Mas literaturas ganham peso e projeção por identidade, conjuntos de obras e de escritores, e de seleções de clássicos fundamentais na galeria da literatura universal. E, nesse quesito, o Brasil faz bonito.

Não é qualquer lugar que tem o privilégio de contar com autores como Machado de Assis e Guimarães Rosa, criadores de jeitos diferentes de contar histórias e de domínio e uso da linguagem de forma a criar obras que atravessam gerações e flertam com a eternidade. Não é qualquer literatura que produz clássicos como Memórias póstumas de Brás Cubas e Grande sertão: veredas.

Muito antes do celebrado Franz Kafka, o autor de A metamorfose, Machado de Assis, no Rio de Janeiro, criava uma obra que só não tem maior projeção mundial porque foi escrita em Língua Portuguesa. Ao ponto de a ensaista norte-americana Susan Sontag ter ficado impressionada com Memórias póstumas e ter comentado que não entendia a razão de o autor deste romance não ter alcançado uma projeção mundial como outros escritores de sua época. 

Grandes escritores não escrevem para ganhar prêmios. Escrevem pela compulsão de contar histórias e criar fantasias que encantam a humanidade. Cervantes fez isso com o Quixote, Garcia Márquez repetiu a dose com Cem anos de solidão, Guimarães Rosa seguiu idêntico modelo com o Brasil profundo de Grande sertão: veredas e dos contos de Sagarana. 

E a relação de grande destaque da literatura brasileira abrange também outros escritores: José Lins do Rego, Lima Barreto, Aluísio Azevedo, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, João Ubaldo Ribeiro, Lúcio Cardoso, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e João Gilberto Noll. Além dos poetas Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. 

E nada disso foi suficiente para os membros da Academia Sueca enxergarem o Brasil. Podíamos imaginar que era um problema da língua, até que Saramago ganhou o prêmio e esta suspeita ficou provavelmente afastada, mas só provavelmente. Ou será que o Brasil é tão forte no futebol (esqueçamos aquela derrota de 7 a 1 para a Alemanha na Copa) que esta identidade ofusca os nossos talentos para outras áreas? 

Descontada a rivalidade no futebol, no campo do Nobel de Literatura estamos empatados com os argentinos. Com galeria poderosa de escritores (entre eles, Jorge Luís Borges e Julio Cortázar), a Argentina também é ignorada pela Academia Sueca. Assim como o Uruguai do triste e solitário Juan Carlos Onetti. 

O Nobel foi além e ignorou gigantes como o russo Leão Tolstói, o francês Marcel Proust e o mexicano Juan Rulfo. E desprezou Fernando Pessoa e Franz Kafka. O maldito e original L.F. Céline também jamais ganharia o prêmio. 

Estes escritores ignorados estão acima de nacionalidades e movimentos literários, qualidades válidas também para os nossos Machado e Rosa. E tampouco estes nomes precisam do Nobel. As obras que deixaram independem de prêmios (sejam quais forem) para encantar gerações. 

O britânico Bernard Shaw e o francês Jean-Paul Sartre foram os únicos que deram uma lição na Academia Sueca ao recusarem o prêmio nos anos em que os seus nomes foram anunciados como vencedores.
Talvez a verdade estivesse com Borges, quando disse que o Nobel servia para descobrir talentos.

Dirão que, no caso brasileiro, os governos de plantão não ligam para a promoção da identidade nacional no exterior e isso dificulta a percepção da nossa literatura lá fora. Conversa mole. 

No frigir dos ovos, há algo mesmo de errado é com o Nobel. Que acerta em muitos casos, ao premiar os autores de Cem anos de solidão (Garcia Márquez) e Conversa na catedral (Vargas Llosa), e erra em muitos outros casos, como quando premiou Winston Churchill, um herói britânico que entrou para a história na Segunda Guerra Mundial, mas nada a ver como escritor.

Enfim, nos resta seguir fazendo a nossa literatura para aqueles que nos querem, e não em busca daqueles que nos ignoram!

Postar um comentário

1 Comentários

Josenildo Lima disse…
Ótimo texto, boa reflexão. A Academia Brasileira de Letras é o nosso Nobel, vide alguns imortais eleitos.