TRANSPORTE SOLIDÁRIO CARIOCA

Por Gustavo do Carmo

A história que eu vou contar aconteceu em janeiro. Mas a oportunidade de contar só surgiu agora, quase dois meses depois. O anti-carioca que ler esta crônica vai logo dizer: em São Paulo não tem isso. Os táxis são mais organizados. Engano dele, pois já levei um golpe de taxista de lá também.


O que me aconteceu não foi um golpe. Não fui ferido. Não fui assaltado. Não fiquei traumatizado. Mas fiquei um pouco com medo de tudo isso. E um pouquinho de vergonha também. Foi mais uma situação inusitada do que trágica. É um retrato da cara-de-pau e da informalidade que estão tomando conta do Brasil.

No dia 12 de janeiro voltava de Cabo Frio provisoriamente. Iria fazer o concurso do BNDES no dia seguinte e retornaria para a cidade da Região dos Lagos, depois da prova, para continuar as minhas férias. Tenho medo de pegar ônibus ali no ponto do cais do porto, em frente à rodoviária Novo Rio. Táxi ali, nem pensar, também. Já havia tido outra experiência ruim. Desde então, desço do ônibus e vou direto para o guichê de uma cooperativa, dentro da rodoviária.

Dei o meu destino para a atendente e fui para a fila esperar o meu carro. Entrei em um Gol. Sentei no banco da frente e disse o meu destino para o motorista. Dei até o itinerário. O lado de Bonsucesso onde eu queria descer. Até aí tudo normal.

Eis que, de repente, aparece um fiscal da cooperativa, conversa amigavelmente com o motorista, pergunta para onde ele ia e pede uma carona. No carro onde eu estava. Na maior cara-de-pau. Ou seja, o motorista não só disse o meu destino como cantou o itinerário. O pedinte estava apressado para o aeroporto.

Ele chegou a me pedir autorização. Aí é que está a vergonha de contar o “causo”. Eu poderia muito bem ter batido o pé e não deixado. Ameaçar descer do carro. Exigir que o carona cara-de-pau rachasse a minha conta. Mas a situação era tão inédita para mim que eu fiquei sem reação. Além de tímido em excesso, não sou barraqueiro. Os mais maldosos me chamariam de bobo e otário. Outros me chamariam de ingênuo. Confiei no motorista e na aparência do fiscal cara-de-pau. Permiti a carona. Felizmente, correu tudo bem. Só tive que pedir para me deixar em outro lugar.

No caminho, o fiscal e o motorista ficaram conversando. Na verdade, o motorista foi quem mais falou. Contou a história das relações amorosas dele. Contou como conheceu cada mãe de suas filhas. Pelo que eu lembro, ele era casado, mas foi abandonado pela primeira esposa. Na hora de afogar as mágoas, transou com uma mulher. Um tempo depois, esta mesma mulher reapareceu dizendo que engravidou dele. Quando provou, passou a pagar pensão. Ele já estava casado com a atual esposa.

O táxi chegou ao meu destino. Deixei a história dele de lado, paguei, saí do táxi e voltei para a minha vida. O medo e o susto passaram. A viagem só valeu a pena por causa da história do taxista. Mas a revolta com a versão carioca do transporte solidário (algo muito comum em São Paulo por causa do rodízio) ficou. Se isso acontecer de novo na próxima vez, bato o pé e não deixo. Ameaço descer do carro. Exigirei que o carona cara-de-pau rache a minha conta.

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