ESQUECIDOS


Conto de Gustavo Carmo



No dia do casamento o noivo não apareceu. A noiva atravessou a nave da igreja acompanhada do seu pai, mas não encontrou Climério. Os padrinhos entreolharam-se, sem entender nada. Alguns até se divertiram com a situação. Os convidados da noiva ficaram horrorizados. Os do noivo se envergonharam. O padre revoltou-se.

A noiva desceu do altar, inconformada. Quis buscar o noivo em sua casa. Seu pai a sugeriu ligar para a casa dele. Clariane aceitou, mas esqueceu-se do telefone da casa do noivo. Também não conseguia se lembrar do número do celular. Decidiu ir até a casa de Climério.

Pediu para o motorista do sedã de luxo que a trouxe à igreja que a levasse até a casa do noivo. Também se esqueceu do endereço. Mandou seguir enquanto tentava lembrar o caminho. Não lembrou. Ficou ainda mais esquecida. Ela e o motorista ficaram perdidos.

Um primo de Climério prontificou-se a ligar para ele.

— Esqueceu do seu casamento, cara?
— Casamento? Quem vai se casar?
— Você, mané? Esqueceu-se da Clariane? Se quiser eu caso com ela no seu lugar.
— Clariane... Caramba! É hoje o meu casamento, rapaz!

Climério estava no escritório onde trabalha como contador quando recebeu o telefonema do primo em seu celular. Fechou o serviço. Pegou todos os documentos. Menos a chave do carro. Saiu da empresa. Ao chegar à garagem, lembrou que havia esquecido a chave. Voltou para o escritório e pegou. Mas deixou a carteira de habilitação.

Apressado, dirigia o carro em alta velocidade e despertou a atenção da polícia, que o parou para multá-lo. Climério obedeceu honestamente. Prontificou-se a mostrar todos os documentos ao guarda. Mas não tinha nenhum. Tinha esquecido no trabalho. Disse que estava apressado para o próprio casamento. O guarda ironizou dizendo que queria agilizar a blitz porque estava apressado para o enterro da avó. Climério foi preso e autuado por dirigir sem habilitação e sem documentos do carro. Foi levado à delegacia.

Clariane finalmente conseguiu voltar para a igreja. Já era meia-noite. O casamento estava marcado para as seis. Os pais de Clariane discutiram com os de Climério, que começaram a ficar preocupados com a falta de notícias do filho. O irmão do noivo ligou para o celular e descobriu que ele estava preso.

Climério não deu notícias porque tinha esquecido o telefone de casa e do trabalho. Também não lembrava do telefone do advogado. Pai, irmão e aquele primo que ligou para lembrá-lo do casamento correram até a delegacia com os documentos para provar que ele tinha esquecido. Levaram um advogado, amigo da família e que estava entre os convidados do casamento. Disseram que Climério costumava se esquecer muito das coisas. Só não esquecia da cabeça porque estava presa ao corpo. O advogado pagou a fiança e Climério foi liberado com a ficha limpa. O casamento foi remarcado para o mês seguinte porque a paróquia estava com a agenda lotada.

Na segunda data, quem esqueceu foi Clariane. E não foi de propósito. Uma vingança por ter sido abandonada no altar. Pelo contrário. Ela somente o perdoou pelo vexame que passou porque também costuma ter lapsos de memória. Na hora em que deveria estar na igreja, estava fazendo compras no shopping como se não tivesse nenhum compromisso. Foi lembrada também pelo celular. Mas pelo próprio Climério, que, antes, havia perguntado para o primo qual era o número do celular da noiva. Ah! Isso depois que lhe sugeriram ligar para a noiva.

Desesperada, saiu apressada da loja para pegar o táxi em plena chuva. No meio do caminho, lembrou que estava com uma camisola verde na mão. Pregada na peça de roupa estava a etiqueta de segurança da loja. Não lembrou ter ouvido o alarme. Mas tocou. Os seguranças foram atrás dela que corria não para fugir deles, mas para se arrumar e chegar ao casamento.

Pediu para o motorista levá-la ao shopping, mas não conseguia se lembrar qual. A sorte é que o motorista sabia e a levou imediatamente.

Foi recebida na loja pelo invocado gerente. Clariane passou meia hora pedindo desculpas a ele, aos seguranças e até ao diretor-geral da loja, o único que a compreendeu, pois achava que ela era uma cleptomaníaca e lhe ofereceu um tratamento psicológico. Clariane recusou, mas não se ofendeu.

Na segunda saída, mais tranqüila pegou outro táxi. Na hora de pagar, lembrou que esqueceu a bolsa e o celular no primeiro táxi. Este a procurou pelo endereço, devolveu-lhe a bolsa, mas Clariane não lembrou de pagar a sua corrida. Nem o segundo taxista. Nem o motorista que a deixou na ida ao shopping.

O casamento mais uma vez foi adiado. O padre deu uma quarta e última chance. Quarta porque o dia em que Climério foi preso já era a segunda data marcada. Na primeira, nenhum dos dois compareceu. Desta vez, a ministra da paróquia reservou o dia inteiro para o casal esquecido. Desta vez, o casamento aconteceu finalmente no horário marcado.

Climério e Clariane tiveram dois filhos. O menino foi registrado como Cláudio. A menina, como Clarisse. Para registrar cada um, Climério teve que comparecer ao cartório cinco vezes. Sempre esquecia um documento. Na quinta vez, esqueceu o nome dos filhos.

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