Conto de Gustavo do Carmo
Todos os anos, sempre no dia 30 de novembro, Edvaldo montava a árvore de Natal no apartamento onde morava, desde que nasceu, em um pequeno prédio em Olaria. Quando bebê assistia à mãe armar um velho pinheiro de papel alumínio. Aos cinco, os seus pais resolveram inovar e usaram um galho natural, colhido na Ilha do Fundão, decorado com algodão e bolinhas. Edvaldo lembra vagamente que foi com o pai buscar a árvore.
No ano seguinte, após um passeio na praia, estava com a mãe quando ela comprou um pinheiro artificial, de plástico verde, uma cartela de papel com um Papai Noel desenhado, segurando uma placa escrita Feliz Natal, para pregar na porta, um rolo de pisca-pisca e dezenas de bolinhas. Foram enfeites simples e baratos, é verdade. Mas, com exceção do pisca e das bolinhas de vidro, duraram vinte natais e surgiam na decoração do apartamento sempre no dia 30 de novembro.
Quando adolescente ajudava a mãe a montar a árvore. Adulto, passou a armar sozinho porque a mãe já sofria de dor nas costas. A árvore e o Papai Noel de papel envelheceram e já estavam gastos pelo tempo. A primeira quebrada e torta, o segundo rasgado e amarelado. Com pena de jogar fora, Edvaldo ainda usou os enfeites por mais uns três anos. A mãe, que já usava fitas de papel laminado que desfiavam de tanto serem puxadas na hora da desmontagem no dia 6 de janeiro, ainda comprou lacinhos de cetim para completar o buraco deixado pelo tempo. Edvaldo comprou um spray de espuma que simulava neve para disfarçar os defeitos da árvore.
Passados os três natais, Edvaldo precisou deixar a pena de lado, segurar o choro e jogar a velha árvore e o Papai Noel rasgado no lixo. Comprou outra, de um metro e setenta, igual a sua altura, uma pequena guirlanda para a porta, enfeites brilhantes, como correntinhas com notas musicais, e novas bolinhas, agora de plástico.
Usou por cinco anos, até trocá-la por uma árvore ainda maior, com dois metros e meio. A mãe ajudava pendurando as bolinhas na altura média da árvore, pois não podia alcançar o topo e, muito menos, abaixar por causa da dor nas costas. Nesse ano, Edvaldo inovou e resolveu decorar, também, com luzes piscantes, todo o andar do prédio. Os vizinhos adoraram. Principalmente o síndico, que aprovou a decoração, apesar de ter aumentado a conta de luz do prédio.
No ano seguinte, pela primeira vez, Edvaldo não montou a árvore no dia 30 de novembro. Uma semana depois, sete de dezembro, o síndico ia perguntar se o vizinho não faria a decoração, mas viu-a já pronta no corredor. Ainda assim, o administrador quis saber o porquê do atraso. Edvaldo respondeu que estava trabalhando muito e não tinha tempo para armar a árvore na tradicional data.
Em março do novo ano, Edvaldo foi transferido para São Paulo, deixando a sua mãe morando com o pai em Olaria. O pai não gostava de natal, muito menos de armar a árvore. A mãe não podia montar por causa dos seus setenta e quatro anos. Tinha que esperar Edvaldo voltar para o Rio, o que só aconteceu na antevéspera de Natal, pois suas férias atrasaram. O síndico estranhou novamente.
Passou mais um ano e a decoração natalina mais uma vez não foi montada no dia 30 de novembro. Pelo terceiro natal consecutivo. O síndico já sabia que ele trabalhava em São Paulo e só armaria no dia 23 de dezembro. Só que Edvaldo não fez a decoração. Nem veio ao Rio. Os pais de Edvaldo passaram o natal sozinhos e tristes. Não abriram a porta para ninguém. Nem para o síndico.
No ano seguinte, Edvaldo voltou a montar a árvore no dia 30 de novembro. Desta vez, não só decorou o seu apartamento e o andar, como também todo o edifício. Com a ajuda da mãe e, pela primeira vez, do pai e da esposa grávida. Edvaldo já era o síndico do condomínio. Na Barra da Tijuca. Para onde levou os pais para morar com ele na cobertura de quatro quartos.
O síndico do prédio de Olaria, onde Edvaldo nasceu e passou trinta e cinco anos de sua vida, não soube que, depois daquele natal triste, o vizinho que viu crescer ficou com a consciência tão pesada por deixar os pais sozinhos que pediu demissão no emprego de São Paulo, voltou para o Rio, casou-se, juntou as economias e foi morar na Barra.
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