DEPOIS DO AVC

 



Conto de Gustavo do Carmo



Acabei de ter alta do hospital. Fiquei dois meses internado, metade deste período em coma. Quase matei meus pais de preocupação. Sofri um AVC. Andava muito ansioso com o meu futuro e me preocupando demais com a minha família.

Estava em casa, no computador, quando, de madrugada, além de uma forte dor e pressão na cabeça, senti uma tonteira estranha, minha vista escureceu, minha boca ficou dormente para um lado, não lembro qual. Desmaiei. Foi meu pai quem me socorreu.



Fui acordar somente no mês seguinte. Fiquei com lado esquerdo paralisado. A coordenação motora foi embora. A fala também. Serei cuidado pela enfermeira que a minha irmã vai pagar, indicada pela amiga dela desde o ensino médio. Com criança pequena e trabalhando, ela não tem condições de cuidar de mim. Meus pais idosos também não, mas eles ficam por perto.

De volta pra casa, recebi várias visitas. Ainda sem poder falar, apenas sorri para elas. Vieram minhas tias, primas e vizinhos. A última me surpreendeu: a moça por quem eu fui apaixonado no início da minha faculdade de jornalismo.

Ela passou uma semana conversando comigo quando nos conhecemos. Na semana seguinte parou de falar subitamente. Só soube o motivo através do meu colega mais próximo, que foi meu amigo durante a faculdade, mas se afastou de mim depois da formatura: eu teria feito uma deselegância no metrô, colocando a mochila involuntariamente no lugar em que ela iria se sentar. Eu não lembro disso, mas se fiz, foi mais por inocência do que por maldade. Depois fiquei sabendo que o irmão era violento e já tinha surrado um ex-namorado dela. Com o tempo percebi que a história era mentira. Ela parou de falar comigo porque foi influenciada por outra colega, que não ia com a minha cara, e não me quis namorar porque eu sou feio e era mais feio ainda na época.

Agora, depois que eu fiquei paralisado, na cadeira de rodas, com a boca torta e sem poder falar, ela aparece para me visitar? Mudei imediatamente o meu semblante, incorporando um olhar de ódio. Meus pais e a enfermeira, que me deixaram a sós com ela, não perceberam. Doroteia percebeu. Mas tentou me acalmar.

— Eu fiquei muito preocupada quando o Leonardo me avisou.  

Leonardo é o tal ex-amigo da faculdade. Eu tentei falar

— Aaaaaaaaaa! Eeeeeeeeee!
— Você está sentindo alguma coisa, Olavo?
— Sssssssss!

Meus pais ficaram preocupados e correram para me socorrer.  Ou melhor, socorrer a Doroteia porque eu ia agredi-la, passando a cadeira de rodas em cima dela, que contou para os meus pais.

— Ele parece que não está muito feliz em me ver. Eu vou embora.
— Ah, o médico falou que às vezes ele fica nervoso, minha filha. Ainda não se acostumou com as sequelas. Mas vai fazer fonoaudiologia e fisioterapia em breve.
— Está sentindo alguma coisa, Olavo? Perguntou o meu pai. 
— Aaaaaaaaaa.

Eu balbuciei para eles porque não conseguia falar, mas queria dizer: “Quero que essa canalha vá embora. Me desprezou quando eu estava saudável e agora vem me visitar para quê? A consciência pesou e ficou com remorso? Namorar comigo é que não é. Vai embora, vagabunda! Some da minha vida!”.

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