Conto de Gustavo do Carmo
— Ah não, pai! Eu não vou tirar foto com ela.
— Mas ela é sua irmã.
— Eu sei! Mas tira ela perto de mim. Estou com medo dela.
— Vocês sempre foram tão amigas. Por que agora não quer mais tirar foto com ela?
— Falou certo. Nós fomos. Não somos mais.
— Você sempre amou a sua irmã. Vai tirar foto com ela, sim!
— Eu não vou!
— Eu estou perdendo a paciência, Gertrudes! Se não tirar essa foto com a sua irmã eu vou te dar uma surra de vara de marmelo!
— Prefiro a surra! Mas eu não quero tirar foto com a Januária.
— Ela vai ficar magoada com você.
— Não vai, não!
— Vai sim! Ela ama você. Vocês são tão amigas.
— Pai! A Januária está morta! Eu não vou tirar foto ao lado de uma defunta posando de viva! Pra quê essa mania?!
— Essa é uma tradição familiar, Gertrudes! Desde o século XVIII nossa família tira fotos com parentes mortos. Agora fica quieta que eu preciso tirar a foto.
— Pai! Nós estamos no Século XXI.
— Eu sei! Agora cala a boca e me deixa tirar essa bendita foto com a sua irmã que o corpo dela está começando a apodrecer e eu preciso devolvê-la para a funerária. Depois você tira uma selfie com ela.
E as duas irmãs tiraram a última foto juntas. As mãos de Januária, morta de câncer aos 16 anos, já estavam acinzentadas.
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