Sem título, por enquanto

 


Ele suspirou antes de começar a escrever.

Mas apenas começou. Não sabia o que queria com aquilo. Não escrevia há meses. Não sabia se conseguiria de novo.

Deletou tudo o que acabara de escrever. Não parecia ser bom o suficiente.

Estava entalado com todos os projetos inacabados dos últimos... dez anos? Quinze? Já nem sabia mais.

Toda vez que ligava o computador e entrava numa pasta intitulada “idéias”, ainda com o acento no e, sentia o peso de não ter conseguido terminar nada daquelas dezenas de arquivos de texto.

Na estante vazia, apenas a poeira deixada pelos livros que doou para a biblioteca pública da cidade. Deu praticamente todos. Não os queria mais. Vários motivos, vários fatores.

Entre um dia de trabalho e outro, tentava fazer algo mais. Tentava voltar a escrever, desenhar... tentava.

Quis apenas escrever. Nada mais.

Digitou algumas palavras e parou.

Sentiu o cansaço de um domingo massacrante.

Os parentes que vieram visitá-lo para um churrasco não foi o que o deixou cansado na verdade. Até que não se importava com o fato de virem. Se não fizessem as perguntas impertinentes de sempre ficava tudo bem.

Ficou.

Foram embora no final da tarde e ele voltou a ficar sozinho.

Pensou em assistir alguma coisa, mas a sua incapacidade de terminar algo era uma constante em sua vida.

Filmes, livros, álbuns, revistas, pessoas, projetos.

Tudo pela metade.

Tudo na “Minha lista”.

Mas por incrível que pareça sempre teve um sentimento acompanhando a tudo isso que era o de que, apesar de tanto a ser feito, estava feliz com o que já tinha sido feito.

Não estava saindo tudo nos conformes, como planejado, mas tudo bem. As coisas estavam indo.

Levantou-se e foi para a cozinha. Pegou o café que estava na térmica.

Frio.

Colocou três gotas de adoçante e levou o copo ao microondas por 30 segundos.

Tomou o café, mas não sentiu seu corpo se energizar. Quase nunca sentia.

Sentou-se no sofá e tirou o celular do bolso.

Nenhuma mensagem.

Entrou no YouTube e assistiu alguns vídeos inconsistentes. Na TV nada além do comum.

Programas de auditório. “Grandes” reportagens dominicais.

Por um momento passou por sua cabeça ligar para um amigo e convidá-lo para tomar algumas num bar, mas todo o processo de sair de casa o levou a conclusão de que era melhor ficar quieto.

E já era tarde mesmo.

Voltou aos filmes. Vou botar o primeiro que aparecer de sugestão, pensou.

Mas apareceu um bem ruim.

Comédia romântica.

Pôs o segundo. Que já tinha visto. Pelo menos tinha um ator que ele gostava.

Os primeiros minutos até que foram legais.

Os flashbacks incomodavam um pouco.

A “mocinha”, bem gostosa por sinal, fazia a atuação esperada.

Levantou-se e foi beber mais um pouco de café. Passou pela porta do quarto e viu a luz do computador acesa. Lembrou-se de que seu plano para a noite era escrever alguma coisa, qualquer coisa, qualquer merda que fosse. Só para registrar. Recomeçar. Pensou que seria bom para sua sanidade, sabe-se lá.

Viu o traço piscando na tela branca.

1, digitou.

“Se distraiu com as desventuras modernas”, colocou na segunda linha.

Salvou o arquivo.

Desligou o computador.

Foi para a sala. O filme estava na metade. Grande cena de ação. Perseguição de carros frenética.

Logo depois uma cena de sexo.  Depois entrou uma cena em que os dois personagens principais têm uma conversa profunda sobre a vida e todas essas coisas.

 

 

Conto de Lucas Beça

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