FUGIDINHA



Conto de Gustavo do Carmo

Não aguentava mais a comida do hospital onde estava internado. Pastosa, fria, insossa e indigesta. Era recomendação médica, transmitida pela nutricionista. Tinha acabado de fazer uma cirurgia delicada e precisava seguir uma dieta rigorosíssima. Não tinha previsão de alta.


No terceiro dia pós-operatório, Apolônio tomou uma atitude drástica. Decidiu fugir para comer em casa. Depois voltaria para o hospital e a sua internação. Aos 70 anos, morava sozinho em um prédio bem em frente ao hospital. Pediu para o amigo Bisteca, que o acompanhava no hospital, verificar o movimento do hospital, distraindo os enfermeiros.

Ligou para a empregada da casa, pedindo para assar a lasanha congelada e fazer arroz e feijão enquanto fechava a conta do hospital, mentiu. Precisou esperar a medicação do meio-dia e a horrível comida. Depois, mesmo com a dor lacinante dos pontos, trocou de roupa (não poderia sair com aquele avental sem fundilhos), tirou o soro da veia e, com tudo limpo, segundo Bisteca, saiu do quarto e do hospital sem ser abordado. Mas foi visto na rua pelo médico, que avisou ao enfermeiro e este ao segurança para trazê-lo de volta. Apolônio já estava entrando no seu apartamento. Com o telefone tocando. Era do hospital.
Correu para atender antes da empregada. Ou melhor, para desligar. Dona Eutanásia não poderia saber que ele fugiu do hospital. Mas ela desconfiou e lhe perguntou:

— O senhor está tão pálido. Tem certeza que teve alta?
— Que nada. É impressão sua. Estou bem.

Enquanto se deliciava com o almoço gorduroso que pediu, tocou novamente o telefone. Correu mais uma vez para atender.

— Deixa que eu atendo.

No outro lado da linha, o médico perguntou.

— O Senhor Apolônio está?
— É ele.
— Senhor Apolônio. Aqui é o Doutor Jivago, do Hospital Central Diamond. O senhor fugiu?  Eu não te dei alta não. Pode voltar senão mando a polícia te buscar.
— Fugi sim. A comida daí que me receitaram é horrível. É sem sal, pastosa, fria e difícil de engolir. Vim para casa comer algo mais decente. Mas já estou voltando para aí.
  Mas o senhor operou o estômago, Seu Apolônio. Venha para cá agora para assinar o termo de responsabilidade pelo menos.
— Claro que sim. Deixa só eu comer a sobremesa e escovar os dentes.

Desligou o telefone e confessou sua indisciplina para a empregada, que lhe deu um duro sermão. Ia repetir o prato e comer um chocolate de amendoim de sobremesa, mas foi impedido pela Dona Eutanásia. Restou-lhe apenas escovar os dentes para voltar ao hospital. Acabou passando mal. A comida quente e gordurosa estourou os pontos e provocou uma hemorragia grave. Chegou morto. A dieta que ele detestava era exatamente para evitar isso. Nem deu tempo para Bisteca se desculpar por ter dado bandeira da fuga.

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