A agonia no corpo se expressa com o tamborilar dos dedos no braço do sofá enquanto tento ouvir as notícias do jornal local.
Depois paro e pressiono as pontas dos dedos na textura macia como se tentasse lembrar de alguma melodia antiga tocada num teclado. Eu moro nessa rua há 10 anos. A casa vizinha a mim tava desocupada há 3 meses e um casal mudou pra ela há 1. Desde então minha paz terminou. Passo o dia todo praticamente no trabalho e quando chego em casa eles já estão ouvindo música. São bem ecléticos e disciplinados nesse sentido. Segunda é MPB, terça rock nacional, quarta jazz, quinta ragga, sexta rock internacional, sábado forró de raiz e domingo heavy metal. Claro, eles não sabem ouvir apenas pra eles, então deixam bem alto, em alguma autoconsciência de que as pessoas merecem partilhar de seu bom gosto musical. Isso, de MPB a forró, até às 2 da manhã, no heavy metal passam o dia todo. Já reclamei no dia de ragga, de jazz e rock, não que eu curta os outros estilos, mas por ter realmente acabado minha paciência. Eu acordo cansado, pois só durmo depois de 2 da madrugada e mesmo que eu reclame, bata em sua porta, peça gentilmente pra baixarem o volume porque tenho que trabalhar cedo, eles esperam até eu bater a porta da minha casa pra aumentarem o volume novamente. As noites pra mim se tornaram irritadiças, cansativas e insuportáveis até o silêncio reinar. Então um dia chegou o domingo e eu não ouvia nada. MPB e nada. Havia uma espécie de obscenidade nesse barulho diário, como bater uma punheta antes de dormir pra dormir bem, mesmo dormindo tarde. Terça e nada de música. Jazz e silêncio. Pensei que eles tinham viajado, mas o carro deles permanecia na garagem. No dia do ragga eu não conseguia dormir e ainda eram 23 horas de um vazio irritante. O que fiz foi ir até a casa deles e reclamar do silêncio. Quatro dias sem dormir já era demais. Bati e ninguém atendeu. Insisti e girei a maçaneta. A porta abriu-se num rangido e na sala estava, estirado sobre o tapete, o corpo da mulher, de bruços, com várias cutiladas de faca nas costas. O marido encontrava-se sentado no chão. Na mão uma arma e sangue e miolos pintando a parede atrás de si. Antes de ligar pra a polícia eu abri no celular um aplicativo bem conhecido e digitei o seguinte anúncio:
Depois paro e pressiono as pontas dos dedos na textura macia como se tentasse lembrar de alguma melodia antiga tocada num teclado. Eu moro nessa rua há 10 anos. A casa vizinha a mim tava desocupada há 3 meses e um casal mudou pra ela há 1. Desde então minha paz terminou. Passo o dia todo praticamente no trabalho e quando chego em casa eles já estão ouvindo música. São bem ecléticos e disciplinados nesse sentido. Segunda é MPB, terça rock nacional, quarta jazz, quinta ragga, sexta rock internacional, sábado forró de raiz e domingo heavy metal. Claro, eles não sabem ouvir apenas pra eles, então deixam bem alto, em alguma autoconsciência de que as pessoas merecem partilhar de seu bom gosto musical. Isso, de MPB a forró, até às 2 da manhã, no heavy metal passam o dia todo. Já reclamei no dia de ragga, de jazz e rock, não que eu curta os outros estilos, mas por ter realmente acabado minha paciência. Eu acordo cansado, pois só durmo depois de 2 da madrugada e mesmo que eu reclame, bata em sua porta, peça gentilmente pra baixarem o volume porque tenho que trabalhar cedo, eles esperam até eu bater a porta da minha casa pra aumentarem o volume novamente. As noites pra mim se tornaram irritadiças, cansativas e insuportáveis até o silêncio reinar. Então um dia chegou o domingo e eu não ouvia nada. MPB e nada. Havia uma espécie de obscenidade nesse barulho diário, como bater uma punheta antes de dormir pra dormir bem, mesmo dormindo tarde. Terça e nada de música. Jazz e silêncio. Pensei que eles tinham viajado, mas o carro deles permanecia na garagem. No dia do ragga eu não conseguia dormir e ainda eram 23 horas de um vazio irritante. O que fiz foi ir até a casa deles e reclamar do silêncio. Quatro dias sem dormir já era demais. Bati e ninguém atendeu. Insisti e girei a maçaneta. A porta abriu-se num rangido e na sala estava, estirado sobre o tapete, o corpo da mulher, de bruços, com várias cutiladas de faca nas costas. O marido encontrava-se sentado no chão. Na mão uma arma e sangue e miolos pintando a parede atrás de si. Antes de ligar pra a polícia eu abri no celular um aplicativo bem conhecido e digitei o seguinte anúncio:
“Se alguém estiver procurando uma casa pra alugar e que goste de ouvir música alta durante o dia e a noite, a casa vizinha a mim acabou de desocupar.”
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