de Miguel Angel (in memoriam)
Como vinha fazendo a cada noite, o soldado paraguaio se esgueirou pelos atalhos por ele descobertos e foi chegando perto da trincheira inimiga. Podia ouvir as conversas e as cantorias dos distraídos soldados brasileiros à vontade. Cravando-a na terra úmida a cada braçada, a faca agarrada na mão direita o ajudava a se arrastar com ligeireza. Prometera aos companheiros que caçoavam dele pelo fracasso em investidas anteriores, que essa noite degolaria um macaco brasileiro. A aguardente que bebera impulsionava-lhe a valentia. Ouviu claramente alguém cantar acompanhando o tanger de uma viola. Mal iluminado pela distante fogueira invadindo a noite com seu cheiro queimado, havia chegado perto o bastante para visualizar o quepe de um oficial assomando pela trincheira. Sorte melhor não esperava. Seria a sua noite de glória! Seria condecorado se voltasse com a cabeça e o quepe? Seria justo. E os companheiros aprenderiam a respeitá-lo. Promovido a Cabo? Justo. A china pretendida o aceitaria na hora. E a mãe dela ia parar de enxotá-lo da porta. Sogra orgulhosa de candidato com divisas lustrosas de oficial do exército do Mariscal, ia negar casamento?
Excitado de futuro e aguardente, continuou se arrastando fazendo caminho no mato rasteiro e tão perto chegou da borda da valeta que distinguiu o oficial, isolado e quieto de dormitar. Que noite, virgem santa!
Pularia sobre ele, tapar-lhe-ia a boca e cravaria a faca no coração para imobilizá-lo; depois da degola sem barulho, botaria a cabeça e o boné - com as divisas! - dentro da jaqueta e voltaria por donde veio.
O Mariscal condecora Cabo? Seria justo.
Encolheu as pernas, tesou os músculos do corpo inteiro preparando-se para dar o pulo que o levaria ao palácio do Mariscal Francisco Solano López, em Assunção.
-------------------
Extraído do romance "Sobre Moscas e Aranhas de Guerra"
0 Comentários