Conto de Gustavo do Carmo
Muito supersticiosa, Milene fazia todas as simpatias de Ano
Novo. Usava calcinha vermelha para atrair paixão, sutiã amarelo para atrair
dinheiro, vestido branco para a paz, sapato de salto verde para esperança e um
cinto azul no vestido para atrair saúde.
Comia lentilhas e romã. Jogava moedas pela janela. Aguardava a
contagem regressiva se equilibrando no pé direito. Ia à praia e fazia questão
de pular as sete ondas. Mandava oferendas para Iemanjá. Quando chegava em casa,
que tinha deixado com as luzes de todos os cômodos acesas, colocava uma mala no
meio da sala e dava voltas por ela.
Depois de todos esses rituais supersticiosos de ano novo,
caía em si e percebia que não curtia a virada de ano, que corria e era sempre
igual para Milene, que continuava sozinha, pobre, solteirona, morando em uma
cidade violenta, sem dinheiro para viajar, com futuro obscuro e sem nenhuma esperança
de ver sua vida melhorar, pois estava com câncer.
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