IMATUROS


Conto de Gustavo do Carmo

Geraldinho brincava com o boneco do seu super-herói favorito. Fazia onomatopéias com as suas aventuras imaginárias. De repente o TeraMan voava na velocidade da luz pelo universo de fantasia que na realidade era o seu quarto e do seu irmão Afonsinho, o quarto de sua irmã Teresinha, o quarto dos pais, o corredor que liga os cômodos ao banheiro também visitado pelo herói, a cozinha, o quarto de empregada e finalmente a sala, onde terminou a viagem da personagem.


O fim de um episódio das Aventuras do TeraMan coincidiu com a chegada da sua mãe com seus irmãos Teresinha e Afonsinho. A primeira chegava feliz com a boneca nova que acabara de ganhar. Já Afonsinho estava com o rosto manchado de lágrimas manhosas e os olhos vermelhos de tanto chorar. Além disso, estava emburrado.

No shopping fizera um escândalo na livraria porque queria comprar um romance que custava setenta reais. Só se acalmou depois que Dona Violeta prometeu que lhe daria de presente de aniversário, em dois meses.
Geraldinho ainda perguntou:

— Trouxe alguma coisa pra eu lanchar, mãe?
— Não! Você está muito gordo! Está precisando emagrecer. E, além disso, depois da pirraça que o seu irmão fez na livraria, fiquei com tanta vergonha que eu saí correndo do shopping. Respondeu Violeta secamente.

Mal virou as costas e os três irmãos começaram a brigar. Geraldinho culpou o irmão por ter feito o escândalo e lhe deu um tapa na cara. Teresinha provocou os dois com a boneca, que foi quebrada por Afonsinho. A menina havia dito algo como “Eu ganhei boneca, vocês não ganharam!” Geraldinho acusou a irmã de ter sido beneficiada pela mãe e disse bem-feito quando o brinquedo foi quebrado. Teresinha bateu nos dois: em Geraldinho pelo bem-feito e em Afonsinho por ter quebrado a boneca. Saiu chorando como uma sirene e entrou no quarto. Dona Violeta correu para separar os dois filhos que se estapeavam. Ela gritava sem resposta:

— PAREM! PAREM! QUANDO É QUE VOCÊS VÃO CRESCER?

A porta se abriu bruscamente. Era Seu Aladir que chegava furioso do trabalho:

— VOCÊS CALEM A BOCA! JÁ ESTÃO GRANDES DEMAIS PARA BRIGAREM COMO CRIANÇAS! LÁ DE BAIXO DO PRÉDIO EU OUVI A GRITARIA!

Seu Aladir deu dois golpes de cinto nos filhos, que se crisparam imediatamente. Abaixou o tom de voz, mas ainda disse raivosamente:

— Violeta, a culpa é sua de ter mimado tanto esses três!
— Eu mimei? Se foi exatamente por eu não ter dado o livro que o Afonso queria no shopping que ele fez um escândalo no meio da livraria e começou toda essa briga com os irmãos. Vai ficar me culpando? Pois a culpa é sua, também! Quem mandou me engravidar quando eu tinha dez anos? Por sua causa eu tive que amadurecer rápido e comecei a trabalhar com quinze. Só não comecei mais cedo porque a mamãe não deixou e cuidou de mim e do Geraldinho.
— É, mas eu precisei trabalhar com treze anos. E ainda fui obrigado a me casar com você!
— Você quem quis! E ainda me engravidou de novo.
— Foi você quem quis engravidar de novo quando nos casamos. Achava que já estávamos maduros. Agora temos três marmanjões com deficiência mental para criar. Eu não agüento mais trabalhar para sustentá-los. Mas se eu deixar eles se virarem sozinhos, eles morrem. Se você não os tivesse mimado demais eles seriam mais maduros.
— Já te falei para não me culpar pela deficiência dos nossos filhos! Você queria que eu fizesse o quê? Que eu os torturassem? Que os culpasse pelos nossos erros? Eu procurei diversos médicos e psicólogos, mas ninguém identificou nada.
— Eles não têm nada! Isso é criação!
— Como não têm nada? Você acha normal um homem de 30 anos, uma mulher de 28 e um homem de 25 brigarem e chorarem feito crianças de 8? Acha normal um homem barbado fazer pirraça numa livraria por causa de um livro?

Há uma pausa na discussão dos pais, que já estavam na cozinha. Enquanto isso, na sala, Geraldinho, o filho mais velho do casal precoce, pediu desculpas ao irmão caçula e fez as pazes. Mandou avisar que foi ver Joaninha, sua namorada. Afonsinho foi para o quarto da irmã se desculpar por ter quebrado a sua boneca nova. Por pouco não ouviu a mãe dizer que eles eram fruto de uma relação incestuosa. Aladir e Violeta eram irmãos.

Uma hora depois, Geraldinho chegou em casa aos prantos. Contou que foi obrigado pela mãe de Joaninha a se casar porque a menina, também de trinta anos e imatura, estava grávida. Geraldinho e Joaninha eram irmãos por parte de pai.
   

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