TARDE DEMAIS 33 – NUNCA É TARDE DEMAIS



Conto de Gustavo do Carmo

Cansou de ouvir que não corria atrás das oportunidades. Apolinário perdeu milhares ao longo dos seus 70 anos. Os pais, a irmã e o cunhado já se foram. O sobrinho não fala com ele. Nunca havia trabalhado na vida. Só viveu bem esses anos apenas porque ganhou a herança do pai e recebe a pensão do plano de previdência privada que ele deixou.

Quando tinha 35 anos entregou-se ao ócio. Cansou de correr atrás. Cansou de se humilhar para os outros. Entrou em depressão. Tentou o suicídio vinte vezes. Mesmo com dinheiro, não tinha prazer de curtir a vida. Morava sozinho e solitário.

Apolinário também deixou de amar muitas mulheres. Todas por quem se interessava estavam comprometidas. As que se interessavam por ele eram feias. Também cansou de correr atrás. Chegaram a pensar que ela era homossexual, mas ele era só exigente mesmo. Nunca se casou e ainda era virgem.

Até que foi procurado por uma antiga colega de faculdade de jornalismo, bonita quando jovem, agora já idosa. Ela queria indicá-lo para uma vaga no jornal onde trabalhou por quarenta anos antes de se aposentar. Estavam precisando de um repórter experiente.

— Eu sou experiente só na idade, minha senhora. Nunca trabalhei como jornalista.
— Mas eu já consegui a vaga para o senhor. Não adianta se desvalorizar. O diretor de redação fez faculdade com o meu filho. Indiquei você. Disse a ele que, embora você esteja enferrujado na profissão, escreve muito bem.
– Mas eu sou velho.
— Nunca é tarde demais para começar.

E motivado por essa frase que a sua amiga já dissera quarenta anos antes, Apolinário seguiu para a entrevista. Conseguiu a vaga, mesmo não tendo experiência profissional, mas mostrou ótimo conhecimento da profissão. Só chegou tarde demais no jornal. Na semana seguinte, o periódico foi à falência. 

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