CONVIDADO DO MÊS - JOSÉ MILTON CASTAN JUNIOR
Crônica - 'Mundo dos Nuggets'
A
passagem para o mundo dos nuggets é destino certo de muitas galinhas (e galos
também). Não importa se brancas, carijós, grandes, pequenas ou New Hampshire (das
melhores pra nuggets). Uma vez pertencente ao mundo dos nuggets, sempre nuggets.
O
formato característico é a marca dos nuggets; empanados e doiradinhos são
reconhecidos de longe.
Recente
fui dar palestra motivacional aos funcionários numa fábrica de nuggets.
Gentilmente me convidaram para conhecer a produção, e vi surgirem centenas ou
milhares de nuggets por minuto. Máquinas barulhentas vibravam. Uma massa esbranquiçada
e molenga caía dentro de estampo que dava forma aos nuggets, depois passavam
pelo processo de empanar, entravam num forno, saiam quentinhos e crocantes. Porém havia algo de monótono no meio de toda
aquela agitação: um nugget não se diferencia absolutamente em nada de outro
nugget. Seria impossível notar a mínima diferença entre eles. Achei triste a
vida de nugget.
Uma
esteira trazia velozmente nuggets ainda soltando fumaça; passavam pelo túnel de
congelamento, e por fim eram dispostos certinhos e enfileirados dentro de
caixas retangulares. Aquele movimento contínuo da esteira me hipnotizou e de
repente um nugget chamou a atenção:
–
Venho de família nobre – me falou todo empertigado – da linhagem das reais
galinhas Legorne.
E
vupt, foi pra caixa.
Em
seguida outro passando ligeiro pela esteira, e que em nada era diferente do
coleguinha principezinho:
–
E eu pertenço ao Paraíso Pedrês! – rebatendo altivo.
Vupt
também, pra caixa.
–
Você sabia que nugget quer dizer pepita? – me perguntava outro metidinho.
Vupt...vupt.
Caixa!
–
Sou comendador – e esse me parecia um nugget bem esquisitinho.
Arghh!
Caixa tão qual!
Percebi
que apesar da enfadonha e enfastiada vida de nugget, eles mesmos não se acham
assim, pois tem sempre um nugget pra dizer que foi fabricado no fino processo “mcnuggets
plus up”, ou que sua caixa foi produzida com papel cromex duplo dourado. Sei de
outro que se gabava de haver sido vendido na melhor rede de supermercados.
Mas
na verdade é tudo nugget: sempre a mesma forma, cor e sabor!
A
essência do nugget é ser nugget. Forma e conteúdo incrivelmente iguais.
Mas
os nuggets parecem mesmo não reconhecerem, aceitarem e nem tão pouco
respeitarem suas igualdades. Senão vejamos como se auto intitulam:
Há
nuggets petistas e nuggets não petistas: e se atracam por isso;
Há
aqueles nuggets coletivos feministas e machistas: e discutem por isso;
Claro,
há nuggets palmeirenses e corinthianos: chutam-se por isso;
E
o que falar dos originais nuggets americanos e do resto: disputam por isso;
Brancos
nuggets em contraponto aos negros nuggets: racismo por isso;
Tem
os nuggets xiitas e sunitas: matam-se por isso.
Ah!
Tem até nuggets achando outros como não nuggets, mas sim coxinhas!
E
por acharem-se assim, tão diferentes, é que se estranham. Não deveriam. Apenas
nuggets. Mas como creem
diferentes, individuais e únicos, obviamente o outro lhe é esquisito. O real
problema acontece quando não mais conseguem suportar a frustração do outro ser
diferente daquilo que idealiza. O inferno são os outros, nos diria o filósofo
francês, querendo que reflitamos exatamente o contrário.
Mas
aqui você poderia perguntar: por que os nuggets sendo tão iguais se acham assim
tão diferentes? Diria-nos outro filósofo: “Os homens se deram a si próprios
todo o bem e todo mal, e pôs valores nas coisas a fim de se conservar”.
Se
conservar? É isso mesmo?
A
passagem de um nugget para o mundo do..., bem você já sabe no que vira e para
onde vai um nugget devidamente papado, né?
José Milton Castan Junior é pela segunda vez convidado por Weverton Galease a apresentar uma crônica no 'Tudo Cultural', anteriormente, em junho de 2015, apresentou a crônica 'Uma Canção Contemporânea do Exílio' http://tudocultural.blogspot.com.br/2015/06/convidado-jose-milton-castan-junior.html
Para mais informações sobre o trabalho de psicanálise de Castan, acesse psicastan.com.br
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