Só fazia dez minutos que
ele estava ali. Mas parecia que já tinham passado duas horas. A fila para
retirar o crachá de identificação e acesso ao moderno arranha-céu no Centro da
cidade não andava. O vento do mar aterrado vinha forte. Ele não conseguia
respirar. Seus ouvidos chegavam a doer.
Teve tempo para observar
porque precisou esperar mais cinco minutos na fila para o acesso ao elevador.
Eram seis. Entrou na cabine do meio, mais para a esquerda. Pediu o vigésimo
andar para o ascensorista.
O elevador estava cheio.
Era impossível ver todo mundo que estava com ele. Fixou sua atenção apenas em
um jovem e tímido rapaz negro, de óculos fundo de garrafa. Uma senhora gorda
que falava em voz alta para a amiga que tinha problemas cardíacos. E um menino
de aparentes cinco anos que queria mexer nos botões do elevador, mas era
impedido carinhosamente pelo idoso e cansado ascensorista.
A criança insistia:
— Ah, deixa?
A mãe ralhava:
— Arthur Vítor! Qual a
parte do deixa o moço em paz que você não entendeu?
Uma tela de LCD mostrava
notícias como o novo ministério do segundo mandato da presidente, da atriz que
assumiu romance com um empresário mexicano, da nova contratação do Corinthians
e da alta do dólar. Chegou o seu andar.
Edgar saiu do elevador e
logo avistou a suntuosa sede da editora de livros onde pretendia publicar o seu
livro de contos. Ou melhor, republicar. A primeira que publicou o sabotou:
entregou o convite apenas na véspera do lançamento (e mesmo assim porque ele
foi buscar), não catalogou o livro, não registrou o código de barras, não
revisou direito, sequer divulgou, colocou-o no arquivo do site logo no segundo
dia após o lançamento e o site ainda estava com vírus.
O resultado? Só apareceram
seus parentes, ele ficou impedido de distribuir em grandes livrarias (a editora
ainda o escondeu em sua sede sem identificação na Lapa e obviamente também não
distribuiu) e o livro foi um fracasso.
Apesar da grandeza, a
editora só ocupava duas salas do luxuoso edifício. Mesmo assim, a decoração era
de igual refinamento. Edgar demorou para
encontrar o portão de vidro. Precisou tocar o interfone para a porta ser
aberta.
Entrou e encontrou, na
recepção, uma senhora loura, de uns cinquenta anos, atrás de uma bancada de
madeira trabalhada. Ele retirou da sua pasta preta o calhamaço encadernado em
espiral na papelaria do bairro de subúrbio onde mora e se anunciou:
— Boa tarde. Eu queria
deixar esses originais para avaliação.
Com muita pouca vontade, cara
amarrada, a recepcionista pegou a encadernação com desdém. Só faltou pegar com
uma pinça para não sujar a mão. Ela disse com a sua voz anasalada:
— Espere um minuto que eu
vou entregar para o editor.
Levantou-se abruptamente
da cadeira. Antes de entrar em uma porta de alumínio polido, contrastando com o
papel de parede em tom pastel personalizado, com a logomarca da editora, abriu
a porta automática de vidro para o jovem negro e tímido que estava no elevador
com Edgar.
O rapaz também entregou um
calhamaço igualmente encadernado em papelaria. Repetiu as palavras de Edgar:
— Boa tarde. Eu queria
deixar esses originais para avaliação.
Com a mesma falta de
vontade, ainda de cara amarrada, a recepcionista pegou a segunda encadernação
com o mesmo nojo. Repetiu o que havia dito:
— Vou entregar os
originais de vocês para o editor.
Os sofás de espera eram de
couro preto e havia livros da editora à disposição para aqueles que aguardavam.
Edgar e o rapaz sentaram-se em um deles, que tinham três lugares cada.
Edgar pegou um dos livros
e leu a sinopse. Era um romance adolescente sobre vampiros. Odiava esse
assunto. Devolveu-o imediatamente à mesa de cabeceira, mas o seu colega de
aspiração lhe pediu.
Perto da porta havia um cartaz em tamanho
natural da série de livros de um famoso bruxo, escrito por uma inglesa. Na
parede, a foto de uma escritora e atriz brasileira, famosa por seus romances
policiais.
Mesmo se gostasse, Edgar
não conseguiria ler o romance dos vampiros, pois quatro moças, sentadas no sofá
perpendicular ao dele, conversavam alto sobre o teste de estágio que tinham feito na semana anterior. As quatro eram bonitas, mesmo
uma sendo gorda. Eram duas morenas, uma ruiva e uma loura, que era a gordinha.
Edgar já começava a demonstrar impaciência.
O jovem rapaz, ao
contrário, conseguia ler o livro com vontade. Mas parou a leitura para tentar
vencer a sua timidez e puxar assunto com Edgar.
— Eu vi que você também
está tentando publicar um livro. É sobre o quê?
— É uma coletânea de
contos de terror. E o seu?
— É um romance ambientado
numa UPP numa favela. Eu tinha escrito um roteiro e tentei entregar para um
famoso cineasta babaca, que além de me acusar de perseguição ficou debochando
do meu texto na imprensa. Eu só estava correndo atrás do meu objetivo, como
sempre me mandam fazer.
— Essa gente só produz e
publica os trabalhos dos amigos. Quer apostar que eles vão negar os nossos
livros?
— Pelo menos a gente está
tentando, né? Comentou o jovem negro,
resignado.
— Ah, mas um dia isso tem
que acabar.
Sem graça, o jovem
perguntou o nome do homem com quem conversava.
— É Edgar Alan Pontes. Um
dia você vai ouvir falar muito sobre mim. Ele estendeu a mão.
— Prazer, Wesley dos
Santos.
Enquanto os dois apertaram
as mãos, a recepcionista loura, com cara amarrada, voltou à recepção batendo a
porta e dizendo para uma das meninas.
— O chefe mandou a Luana
entrar.
A morena de seios e ancas
grandes se animou e foi em direção à porta de alumínio sob desejos de boa sorte
das amigas.
— Quanto a vocês — a
recepcionista continuou com a mesma carranca — o editor não aprovou o romance do
Wesley e mandou dizer que a editora não publica contos.
A expectativa deu lugar à
decepção em Wesley, que se levantou para pegar a sua encadernação e ir embora. Revoltado,
Edgar contestou:
— Como assim, não publica
contos? Acabei de ver um livro de contos daquela mesma escritora ali! Disse,
apontando para o quadro da moça morena na parede.
— Mas ela é nossa
contratada. Ela pode.
— E nós não podemos? Vocês
não podem contratar a gente? Só contratam os amigos e a amante do editor? Ele,
aliás, sequer leu o livro do Wesley.
Antes de se encaminhar à
porta, Wesley tocou de leve o ombro do novo amigo e tentou dissuadi-lo.
— Deixa isso pra lá, cara.
Vamos embora.
— Espera aí! Bloqueou-o,
segurando pelos seus braços.
Até então, a recepcionista
mal-humorada ouviu em silêncio as indagações de Edgar, que começava a se
exaltar, reagiu.
— Olha, se o senhor não se
retirar daqui eu vou chamar a polícia.
— Pode chamar! Pode
chamar! Eles vão saber que eu tenho uma bomba aqui! Gritou.
Edgar levantou a camisa e
mostrou um cinto que parecia conter diversos artefatos explosivos. As três
moças gritaram. A ruiva magrinha urinou no chão de tão nervosa.
— Se não publicarem o meu
livro e o do meu amigo aqui — disse apontando para Wesley — eu detono e explodo
todo mundo nessa joça! Ameaçou, gritando.
Com medo de ser tratado
como cúmplice, Wesley se explicou para a recepcionista.
— Olha, eu não tenho nada
a ver com esse louco, não, hein! Eu vou embora.
Wesley sentiu um cano em
sua cabeça. Era Edgar, que sacou um revólver que estava guardado em sua pasta.
— Eu disse pra você
esperar!
O jovem rapaz, que não era
tão tímido quanto aparentava levantou os braços e implorou.
— Não faz nada comigo,
não. Cara. Eu tenho pais me esperando em casa.
— Eu também tenho. Senta
lá com as meninas.
Wesley foi de encontro às
meninas que choravam no sofá do canto da sala de espera. Já Edgar correu para a
bancada da recepção e, apontando o revólver para a recepcionista loura
mal-humorada, exigiu que ela desligasse a porta e a trancasse com a chave.
Luciana, a recepcionista
loura antipática, já tinha chamado a segurança através do alarme silencioso. Em
cinco minutos o andar já estava interditado e totalmente ocupado por seguranças
e policiais. O edifício também foi evacuado por motivo de ameaça terrorista. O
balcão de identificação dos ventos uivantes interrompeu o serviço.
A imprensa já estava no
local. Anunciava como primeiras informações que um fundamentalista muçulmano
tinha invadido o moderno arranha-céu do centro da cidade e que estava com uma
bomba. Plantão ao vivo em todas as emissoras, mas Edgar ainda não tinha
aparecido na janela. E nem dava, pois o prédio era todo envidraçado, a editora
ficava em andar alto e ninguém iria escutar.
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