Seu brilho no carnaval
passado foi memorável. Passista não conta pontos para os jurados, mas Jojô da
Comunidade parece ter sido fundamental para a conquista do título inédito da
Unidos da Comunidade Tijucana.
No ano seguinte, porém, a
sua boa forma foi ofuscada por algumas gorduras e celulites localizadas no
culote e na barriga. Joveleine Clementina, seu nome de batismo, em homenagem a
duas grandes sambistas do passado (Jovelina Pérola Negra e Clementina de
Jesus), foi chamada pelo presidente da escola para ser comunicada de que não
seria mais a rainha da bateria da Unidos da Comunidade Tijucana.
Passara oito meses difíceis. Sua vida sofreu uma grande virada. Foi abandonada pelo marido suíço, que a trocou por outra mulata brasileira, quinze anos mais nova e sete polegadas de cintura mais magra.
Joveleine já tinha trinta
e cinco anos. O filho que teve com quinze engravidou uma menina com a mesma idade
que ela estava quando o pariu. O pai dele era um amigo de infância assassinado
por traficantes. O rapaz agora foi abandonado pela namorada e pediu que a mãe o
ajudasse a criar a filha.
Morava em Genebra e teve
que voltar a viver no Rio com o filho, a neta, a mãe, a avó cardíaca, a bisavó nonagenária
e os três irmãos mais novos. Dos mais velhos, um foi morto pela polícia porque
tinha virado assaltante, o outro por bandidos porque tinha virado policial e o
mais velho de todos morava em São Paulo, estava rico e não queria nem saber da
família, mesmo com a irmã rica. Ah,
claro. Joveleine teria que sustentar todos.
Com tantos problemas,
dinheiro ainda não faltava. Ganhou uma boa pensão do ex-marido. Usou parte dela
para comprar um apartamento de um condomínio de classe média em Del Castilho,
no subúrbio da cidade. Aplicou o restante no banco. Mas poderia faltar um dia. Foi
previdente ao não escolher a zona sul ou a Barra da Tijuca porque as despesas
seriam muito altas.
Arrumou um emprego de
vendedora em uma butique no shopping perto do condomínio. Aliás, o condomínio
ficava praticamente dentro do shopping. Apesar de otimista, acreditava que os
convites para apresentações como mulata de carnaval diminuiriam com a sua nova
forma física e isso, de fato, aconteceu. A sua carreira de modelo e atriz
também não deu certo. Só era convidada para papéis pequenos e de prostitutas.
Todos recusados. Também sofria com o racismo nas campanhas publicitárias.
Jojô foi chamada pelo
presidente da sua escola para ser comunicada de que não seria mais a rainha,
nem madrinha, nem princesa da bateria. Estava gorda para a função. Embora o
presidente não tivesse dito isso na sua cara. Só sugeriu que ela emagrecesse.
Por ele ser seu amigo, se
sentiu traída. Seria substituída por uma modelo paulista, loura e de seios
fartos. A madrinha seria a nova esposa dele, uma morena clara que tinha inveja
e ciúmes dela. Ela ainda a provocava, chamando-a claramente de gorda.
Turquinho, filho de
bicheiro, mas sem ligação com a atividade contraventora do pai já falecido
(assassinado) repreendeu a mulher e, sem querer perder o seu respeito, sugeriu
que ela fizesse uma preparação física que ele pagaria o personal trainner ou a academia. Se conseguisse recuperar a forma
física, ela ganharia um espaço de madrinha de alegoria.
Usando o seu otimismo, Jojô
aceitou, inclusive o treinador pessoal. Acreditava reconquistar o posto no
carnaval seguinte. Só que os problemas reapareceram.
Na primeira sessão, ela sentiu
uma forte dor abdominal. Não aguentou fazer o exercício. Desistiu da
preparação, dispensou o treinador e procurou um médico. Descobriu que estava
com câncer no estômago em estágio avançado. Ficou em choque.
Não contou nada para a
família. Apenas deu sermão nos irmãos e no filho. Pediu que eles economizassem
dinheiro. Exigiu que o filho fizesse um concurso público, que lhe daria
estabilidade para cuidar da filha. Pediu que o mais velho dos irmãos mais
novos, que cursava faculdade de medicina e já estagiava, cuidasse da família e
não deixasse as irmãs mais novas, de dezessete e onze anos, não engravidassem
cedo. Reuniu estas duas para reforçar o conselho e também pedir que elas
procurassem outras atividades profissionais além do carnaval, pois um dia
poderiam ter o tapete puxado, como aconteceu com ela. A moça sonhava seguir os
passos da irmã como madrinha de bateria e a menina já era porta-bandeira
mirim.
Viajou para São Paulo e
fez as pazes com o irmão mais velho, o primeiro que ficou sabendo da sua
doença, com a condição de que não contasse para ninguém.
Começaria a quimioterapia
depois do carnaval. Foi à escola de samba e, humildemente, pediu uma vaga de
baiana para o Turquinho. Ele estranhou, mas aceitou. Não comentou nada com ele
que estava doente.
No dia do desfile,
arrumou-se com muito zelo e pensamentos. Acabou confessando a doença para a
mãe, a avó, o filho e o irmão mais novo quando eles perceberam o seu abatimento.
Foi aquela choradeira familiar antes de ir para o sambódromo. Todos queriam que
ela desistisse, mas ela, maquiagem já borrada, garantiu:
— Morro na Avenida, mas
morro feliz e realizada porque cumpri a sua trajetória no carnaval.
Na concentração, deu o
último abraço no irmão mais velho, que estava no Rio com a família. Ele tentou
impedi-la, mas ela repetiu o que disse para a mãe, a avó e o outro irmão. Tentou
contar a verdade para Turquinho, mas o barulho era tanto que deixou para o dia
seguinte. Ele ficou sem saber.
No caminho para a sua ala,
foi abordada pela nova rainha de bateria, a modelo paulista, que vestia um maiô
decotado cheio de purpurina e penas de faisão.
Ela lhe pediu desculpas
por ter tomado o seu lugar, a abraçou e as duas trocaram desejos de boa sorte. Antes
de se juntar às baianas foi provocada pela rival, a mulher do presidente da
escola, que estava nua com o corpo pintado. Deu-lhe um soco que a deixou no
chão. Foi a última vez que esmurrou alguém.
Já no meio do desfile, Jojô
da Comunidade ou Joveleine Clementina caiu como um peão que encerrava o seu
movimento. Todos ficaram tristes, mas a nova baiana cumpriu a sua trajetória na
maior felicidade. Sua despedida foi memorável. A escola foi rebaixada para o
segundo grupo.
0 Comentários