Estava na lanchonete, comendo o meu pastel de
camarão, pensando nos meus problemas, nas minhas inseguranças, quando fui
abordado por uma voz sôfrega:
— Tio, compra uma bala
para me ajudar comprar comida?
Virei para ele e disse,
enquanto sacava o meu porta-níqueis e catava algumas moedas.
— Compro sim. Pra quem está vendendo alguma
coisa eu faço questão de ajudar. Eu só não dou esmola. O que você tem aí?
— Três jujubas por um
real. Mas eu não peço esmola não, tio.
— Ainda bem. Continue
assim. Toma dois e me dá seis. Só deixa eu te dar um conselho? Não fica
vendendo com essa voz de coitado, não. Assim
você assusta quem quer comprar.
— Como é que eu vou vender
tio?
— Faz pregão.
— O “qui” que é pregão,
tio?
— Anuncia as suas balas
como um vendedor, não como um coitado. Fica gritando com as balas no alto:
“Três jujubas, um real. Três jujubas, um real”.
Depois que eu comprei seis
jujubas e lhe dei o dinheiro, o vendedor, aparentando 15 anos, me agradeceu:
— Deus lhe pague, tio.
Um mês depois, eu estava
na mesma lanchonete, na mesma banqueta, só que comendo um pastel de carne, quando
fui abordado pela mesma voz sofrida:
— Tio, compra uma bala
para ajudar eu a comprar comida?
— Compro sim. Pra quem
está vendendo alguma coisa eu faço questão de... Ué? Não foi pra você que eu aconselhei
a não vender com essa voz de coitado?
— Ah, tio! Eu tentei. Mas da
forma que tu falou não vendi nada. Tiro mais dinheiro me fazendo de coitado. As
pessoas falaram exatamente igual a tu: que só ajuda porque eu estou vendendo e
não estou pedindo esmola. Por isso que eu vendo mais.
Resignado por entender que
“coitadismo” vende mais, fiquei quieto. Comprei mais seis jujubas. Sem dar
nenhum conselho, nem antes, nem agora. Esse diálogo nunca aconteceu. Sou muito
tímido para dar conselhos assim. O máximo de ousadia que eu tive foi bater boca
com uma mendiga que me pediu esmola depois que a mandei trabalhar.
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