Por Gustavo do Carmo
Pedro dá um caloroso abraço no pai, Seu Henrique. Eles se sentam à mesa. Ficam frente-a-frente. Henrique, um senhor de setenta anos, cabelos brancos e ralos, pele morena enrugada, principalmente nos olhos cansados, entrega uma carta amassada ao filho:
— Chegou esta carta para você. Eu nem quis ler.
— Mas ela está aberta.
— Foi preciso abrir na revista para que eu pudesse te entregar.
— Tudo bem, deixa pra lá.
Pedro lê a carta, escrita em alemão:
Berlim, 25 de novembro de 2007
O Deutsche Konsult avaliou a entrevista online que fez conosco e confirma que você faz parte do perfil da nossa empresa. Já entramos em contato com o consulado do seu país para adiantarmos o seu visto de trabalho. Compareça ao órgão consular de sua cidade munido de passaporte para retirá-lo. No prazo de quinze dias enviaremos a passagem aérea para que possa vir à Berlim já como membro de nossa equipe com a remuneração líquida de oito mil euros. Seja bem-vindo!
Cordialmente
Franz Schneider
Gerente de Recursos Humanos - Deutsche Konsult
— O que diz a carta, meu filho?
— O que o senhor acha? Se eu não estivesse cumprindo pena por assassinato neste presídio eu daria pulos de alegria. Mas agora esta carta não tem mais validade nenhuma.
— Ah, meu filho! Pra quê você foi dar cinco tiros à queima-roupa no gerente do banco?
— Ele me humilhou muito quando me dispensou na entrevista, pai. Eu já estava cansado de não conseguir trabalhar em lugar nenhum. Não vou ficar mais chorando sobre o leite derramado. Matei e preciso cumprir a minha pena. Agora vai embora que o horário de visitas está acabando, pai.
— Fique com Deus, meu filho. Encerrou Seu Henrique resignado, deixando a penitenciária com lágrimas nos olhos. A carta da empresa de consultoria alemã caiu amarrotada sobre milhares de outras correspondências sem finalidade, juntando-se a papéis de bala, maços de cigarros vazios, restos de comida e excrementos físicos no latão de lixo do pátio central.
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