Por Gustavo do Carmo
Ninguém apresentava melhor o telejornal da noite do que Francisca Patrese. Era segura e transmitia credibilidade no primeiro olhar para a câmera. Ela conseguia mudar o tom do assunto perfeitamente. Se uma notícia séria ou triste vinha logo depois de uma imagem engraçada ou positiva - com a qual sorria facilmente - ela rapidamente fechava o semblante. Nas entrevistas com convidados, era simpática. Em algumas matérias, dava a sua opinião isenta e transparente.
A caixa de correspondências, físicas e virtuais, da emissora onde Francisca trabalhava vivia lotada com opiniões concordantes (em sua maioria), elogios, sugestões, dúvidas e até cantadas. Além de competente, Francisca era carismática e bonita: alta, tinha cabelos castanhos claros, olhos verdes e pele clara.
Começou a trabalhar como repórter de rua. Já cobriu muito tiroteio em favela (levou um tiro de raspão uma vez), enchentes, pisou em muita lama de bairro abandonado pela prefeitura, viu pessoas morrerem na fila do hospital público, entre outras mazelas do país. Também já saltou de pára-quedas, fez alpinismo e voou de asa-delta. Em seis meses assumiu interinamente a bancada do telejornal local da manhã. Com a mesma rapidez virou âncora titular da tal edição e a da tarde. No ano seguinte, foi transferida para São Paulo e tornou-se uma das apresentadoras do jornal de rede da noite. Dividia a bancada com um veterano jornalista trinta anos mais experiente.
Roubou a atenção do público com o seu talento. E o espaço do companheiro de bancada. Francisca Patrese assumiu a apresentação solitária do jornal. Quando virou editora-chefe pediu para voltar ao Rio de Janeiro, levando toda a produção. Amava a sua cidade natal e morria de saudades do casal de filhos e do marido que só podia visitar uma vez por mês quando trabalhava em São Paulo.
O jornal da noite sempre teve boa audiência. Com a chegada de Francisca à bancada, o número de televisores sintonizados na TVNEWS duplicou. Triplicou quando ela assumiu o comando total. E caía quando ela era substituída nos finais de semana, feriados, faltas e férias. Isso começou a preocupar a emissora, que diminuiu a sua folga semanal, mas compensou sua nova estrela com um aumento de salário.
Os finais de semana e feriados não atrapalhavam muito porque os telespectadores saíam mais de casa. O maior desafio era manter a boa audiência com os interinos nos períodos de férias, licença-maternidade e afastamento por doença de Francisca. E a emissora sempre levava a pior.
Tentou dez substitutos. Entre estes, cinco foram contratados só para cobrir Francisca. O primeiro foi o seu antecessor e antigo companheiro de bancada, Júlio Orestes. Aquele com trinta anos de experiência. Não tinha mais a mesma credibilidade do passado. Principalmente depois que foi descoberto recebendo propina de um deputado cassado por corrupção. O índice de audiência baixou ainda mais. Só durou uma semana. Desligou-se da emissora logo depois.
Vieram outros interinos. Homens e mulheres. Reeditaram a dupla de âncoras. Um casal. Dois homens. Duas mulheres. Tentaram de tudo. Nada adiantou. A volta de Francisca neste meio tempo era um alívio para a diretoria da emissora. A audiência voltava a subir.
E o estrelismo de Francisca também. Com o seu carisma conquistou o carinho dos fãs. Mas o sentimento não era muito recíproco. Ela raramente respondia aos e-mails dos telespectadores. Mandava a produção fazer isso. Na redação era antipática. Gritava com os câmeras, produtores e estagiários. Esnobava os colegas experientes. Estes tinham ciúme do tratamento dado pela diretoria a ela. Os homens mais novos apostavam que ela subiu na emissora por causa do teste do sofá. As mulheres destilavam inveja. Seus únicos amigos eram, exatamente, os diretores do jornalismo e o dono da emissora.
Mesmo assim, Francisca continuava como o trunfo da emissora. Até chegar o jovem repórter Fernando Inácio. Depois de dois anos atuando como repórter de praça, ganhou a chance de substituir a famosa âncora por uma semana quando ela precisou faltar para cuidar da mãe doente.
Francisca não teria com o que se preocupar. Afinal, ela era a estrela da emissora e sua presença representava mais audiência e mais patrocinadores. O que a TVNEWS não imaginava era que Fernando manteve a audiência do telejornal da noite. No dia seguinte, o índice duplicou. Só voltou ao normal quando Francisca reassumiu a apresentação.
Exatamente por ter registrado um novo recorde de audiência para o jornal, Fernando foi efetivado como co-apresentador. Ao lado de Francisca na bancada. A estrela da emissora logicamente não gostou. Ficou nervosa no primeiro dia com o novo parceiro. Gaguejou, atravessou a locução do colega, chamou a matéria errada, suou frio. Chorou na frente das câmeras. Nunca havia passado por essa experiência. Nem nos seus tempos de “foca”. Abandonou a bancada antes do fim do telejornal. A câmera estava fechada em Fernando. Mas foi possível ver o ruído de irritação e a famosa âncora fugindo transtornada. Virou hit na internet.
Francisca Patrese ganhou um “gancho” de uma semana. Desta vez, sua ausência não fez falta para os telespectadores. Fernando Inácio tornou-se o titular do Jornal das Oito. Quando voltou da suspensão, ao saber que havia perdido os postos de âncora principal e editora-chefe, além de ser obrigada a voltar para a reportagem externa, Francisca jurou vingança.
A primeira providência foi borrifar um forte perfume barato no cenário antes do jornal começar. Ela sabia que Fernando era alérgico e queria provocar um constrangimento ao vivo do rival.
Quase conseguiu. O novo âncora chegou a dar um espirro e alguns tossidos no ar. Estrategicamente o jornal foi interrompido com aquele tradicional selo informativo de problemas técnicos e entrou um intervalo comercial de três minutos enquanto Fernando tomava o seu remédio e a produção borrifava os seus olhos vermelhos com água e ajeitava a maquiagem. Voltou a apresentar normalmente, superando com a sua elegância habitual a adversidade de saúde pela qual acabara de passar. Só não conseguiu disfarçar a vermelhidão dos olhos.
Em sua casa, Francisca dava gargalhadas quando via Fernando tossir e espirrar na abertura do telejornal. Chamou a atenção do marido e do filho mais velho. A menina, bebê, não entendia. Acreditava que ninguém descobriria. Ledo engano. No dia seguinte foi demitida por justa causa e pessoalmente pelo dono da emissora. O desespero e a sede de vingança por ter perdido a vaga de estrela do noticiário a fez esquecer que a redação era monitorada por câmeras de segurança. Um recurso tão óbvio que até as crianças sabem disso.
E-mails ameaçadores vindos do endereço eletrônico de Francisca começaram a entrar na caixa de mensagens de Fernando. Ele ignorou. Depois apareceram os torpedos. E também os telefonemas com voz feminina. O jovem jornalista não deu queixa. Até sua esposa grávida receber uma encomenda com duas aranhas venenosas.
Pelo remetente, a polícia prendeu Francisca Patrese, a ex-apresentadora do Jornal das Oito da TVNEWS. Ela foi indiciada por ameaça e tentativa de homicídio. Acusação da qual saiu absolvida.
Durante o processo, a polícia identificou que o verdadeiro autor das ameaças por e-mail, sms, telefone e os aracnídeos peçonhentos era o veterano âncora Júlio Orestes. Mesmo desligado da emissora tinha informantes lá dentro. Um deles ouviu o juramento de vingança feito por Francisca, de cabeça quente, quando do seu afastamento do telejornal. Orestes contratou um hacker para invadir o computador de Francisca e enviar os e-mails. O celular foi clonado. E as aranhas saíram do Butantã depois de um funcionário receber uma propina. Tudo que o aposentado jornalista queria era se vingar de Francisca por ter lhe tirado o seu posto de âncora que ocupava há trinta anos.
Júlio Orestes foi preso e condenado por corrupção ativa, ameaça e tentativa de homicídio. Francisca fez um acordo com a emissora e ganhou uma indenização com a qual abriu uma produtora e criou um programa feminino com receitas culinárias, dicas de decoração e entrevistas de celebridades num horário local comprado para ser exibido no meio da madrugada de quarta-feira. Já Fernando perdoou Francisca pelo desodorante no estúdio, única culpa que a colega teve, e tornou-se o seu único e verdadeiro amigo. A primeira ajuda que pediu foi como recuperar o seu posto de âncora, perdido para uma bela e jovem repórter que o substituiu definitivamente por causa dos índices de audiência.
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