Ana não sabia se sentia raiva ou decepção. Américo furou de novo.
Sempre fazia isso. Ou não aparecia ou chegava atrasado. Ela e Júlio estavam
saindo do cemitério. Vieram prestar homenagem ao quarto integrante do
grupo. Faziam isso todo ano. Era para Américo estar ali também.
- Nossa, é tão triste... Como que é possível, né?
- Bom, todos nós vamos morrer um dia, então... – ela disse a
Júlio.
- Como é que é? Sério? Como assim todo mundo vai morrer?
- Você tá de brincadeira, né?
Ele a olhou seriamente.
- Sobre as pessoas...
- Morrerem? – ele parou. Sorriu – Mas é claro!
- Rá! Rá! Rá! Só você mesmo...
- Só você mesmo digo eu, pra cair numa dessas.
- Bobo.
Eles continuaram a andar em direção à saída.
- Sabe, eu prefiro esses cemitérios do que aqueles com umas
casinhas e tal...
- Por quê?
- Sei lá, eu me sinto meio esquisita. Parece uma cidade pra gente
morta... Sei lá, é estranho.
“Droga, como é que eu fui esquecer?”, pensou Américo enquanto
pegava do cabide o único blazer preto que ele tinha. Vestiu-o e percebeu que
não tinha vestido a camisa, ainda estava com a camiseta do AC/DC que estava
usando há dois dias.
- Merda!
Tirou o blazer e a camiseta e vestiu a camisa branca. Olhou para o
relógio em cima da cômoda. Era pra ele estar lá meia hora atrás. Essa hora os
dois já estariam quase saindo. Depois de se vestir, pegou a chave do carro.
Tirou o celular do bolso e enquanto saía do apartamento mandou uma mensagem
para Júlio dizendo que estava quase chegando.
Silêncio. Américo dirigia. Ana estava sentada no banco do
passageiro e Júlio atrás. Américo olhou para ela, que estava com o rosto virado
para fora. Ele voltou o olhar para a estrada.
- Então, como foi hoje?
Ana o olhou com a cara fechada, encarando.
- Desculpa Ana, é que...
- Nem começa, pelo amor de Deus! Todo ano a gente vem. É a única
coisa que eu ainda te peço. A única!
- Poxa, Ana, isso acontece... – Júlio tentou amenizar.
- Ah, para com isso, não defende ele não. Ano passado ele também
esqueceu.
Ela parou e mais uma vez o silêncio tomou conta.
- E nem pra entrar lá.
- Mas eles tinham já fechado.
Américo disse isso e não quis olhar nos olhos dela. Pelo canto viu
que ela o estava encarando novamente. Depois tornou a olhar pela janela. Júlio
tentou mais uma vez.
- Que tal a gente pedir uma pizza e esquecer isso tudo?
Quase metade da pizza não foi tocada. Ninguém estava no clima para
comida e conversa, mesmo sendo pizza. Ana e Júlio logo foram embora.
Júlio já estava apertando o botão do elevador quando Américo a
chamou.
- Ana?
- Hã? – ela se virou. A raiva já havia passado agora.
Américo aproximou-se dela.
- Olha, eu... Eu realmente queria ter ido. Queria mesmo.
Ela respirou fundo. O abraçou.
- Eu sei.
Ficaram em silêncio depois do abraço. Ela passou a mão em seu
peito.
- Ué, e a gravata?
- Pois é.
O elevador chegou e abriu as portas.
- Bom, tchau...
- Tchau, Ana.
Américo fechou a porta do apartamento e lentamente andou até o
sofá. Largou-se nele e olhou fixo o teto. O cheiro da pizza na mesinha de
centro ainda estava presente. Virou-se e viu que a garrafa de refrigerante
estava aberta. Ele esticou o braço e a fechou. Voltou a encarar o teto.
- Mas que merda!
Conto
de Lucas Beça
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