COMPRAS

Gustavo do Carmo


“Homem ateia fogo na casa de uma escritora e uma pessoa morre. É preso e condenado a dezoito anos de prisão. Quando sai entra numa universidade e leva uma vida feliz e tranquila ao lado da esposa. Dez anos depois, o filho da escritora decide se vingar do incendiário e arruinar a sua felicidade”. Gostei da história. Vou comprar esse livro. 

Depois pego outro e leio a sua sinopse na orelha: “Uma sociedade define o destino de todos os seus membros, inclusive, com quem casar”. Bom. Vou levar esse também. “Uma é cafetina. A outra é uma funcionária de um iate. E a terceira é uma aristocrata britânica. Três mulheres querendo se vingar de um impiedoso bilionário”. Esse vai. Logo, vejo uma capa bonita, com uma mulher igualmente bela. Leio a sinopse: “...tem certeza de que é única. Uma mistura perfeita entre humano, centauro e deusa”. Não. Esse fica. Muita fantasia pro meu gosto. 

Estou na trigésima sinopse. Já escolhi o livro de um autor nacional consagrado, que conta a história de dois homens completamente diferentes, que acaba levando para o confronto entre Deus e o Diabo. De mais um autor estrangeiro, achei um interessante romance em que um centenário cego conta a história de um filho de ferroviário que tem duas paixões – o violino e a química. Mas tem que abandonar as paixões para cuidar dos pais na Bulgária comunista. 

A conta da livraria já está em dois mil reais. Levei ainda mais umas cinco biografias. A primeira, o relato da vítima de um sequestro que ficou dez anos em cárcere privado de um pedófilo. A segunda, de uma famosa escritora, que custa quase oitenta reais. A terceira de uma conhecida atriz, mãe de uma também atriz mais bonita do que com talento. O quarto livro é a autobiografia de um ex-presidente da República, famoso por ser pão-duro. Por isso, é caro. Aproveitei e peguei a história do seu adversário político também. 

Antes de sair da livraria, coloquei no carrinho dois livros que eu queria há muito tempo. Só não havia comprado antes porque eram muito caros e também não os achava nos sebos. São dois romances históricos de um jornalista português, apresentador de um telejornal que é exibido até aqui no Brasil. Um se passa na época do Descobrimento da América e outro na Segunda Guerra Mundial. Ou é a Primeira? 

Estou me esquecendo de levar mais algum livro? Ah! Vou completar a minha coleção de um famoso e polêmico dramaturgo brasileiro de quem gosto muito. Ele já morreu faz mais de trinta anos, mas seus contos sobre adultério são marcantes. 

Quando vou saindo da livraria, vejo a seção de novos autores e fico mais um tempo. Encontrei o livro de um amigo, que só é novo de fama, mas já tem bastante experiência de vida. Aliás, um não. Dois. Um de contos sobre lances fatais e outro de crônicas sobre o tempo. Pra fechar, finalmente, achei um romance que promete: “Jovem descobre que a garota por quem está apaixonado vai se casar e tenta o suicídio por atropelamento, mas é salvo por uma bela repórter de televisão. Seis anos depois, eles se reencontram e ela o emprega como colega na sua empresa, já decadente”. Será que é bom? Vou levar. 

Preciso ir logo para a seção de eletrônicos. Aproveito para comprar quatro notebooks dos bons (pra mim, minha irmã, meu pai e meu cunhado), dois celulares novos (um pra mim e outro pra minha mãe) e um tablet, um brinquedo novo, bom para ler livros e acessar a internet. Será que tem necessidade? Ah! Vou levar assim mesmo! Preciso aproveitar a oportunidade. 

Passo no caixa. Gastei 40 mil reais em livros e gadgets. Ainda sobraram dez mil dos direitos autorais de um conto que eu vendi para um produtor teatral. Vou depositar na poupança. Satisfiz meus desejos de compra. Acordei de um sonho de consumo.

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