Conto de Gustavo Carmo
O âncora apresenta o telejornal direto da redação da emissora. O cenário é composto por uma tela plana de LED, que exibe os selos que ilustram as matérias, e um amplo painel de vidro, com a logomarca da emissora, que desnuda os bastidores da notícia.
O âncora faz a escalada. Para quem não sabe, é a leitura das manchetes de todas as notícias e reportagens que serão exibidas na edição do telejornal. Ao fundo, o editor de texto digita no computador, provavelmente, o roteiro para alguma reportagem ou alguma pauta. O cinegrafista mexe na câmera. A produtora fala com alguém ao telefone. Uma repórter passa por ela e é cumprimentada com gestos. Ela ainda faz um sinal, rodando os dedos, que deseja falar depois. Depois de algum tempo, desliga o telefone e chama alguém que já não aparece no vídeo. A repórter que foi cumprimentada reaparece e elas conversam animadamente. Mais ao fundo, dentro de uma sala também transparente, um senhor gordo vocifera e gesticula com um rapaz de camisa social. Deve ser o estagiário levando uma bronca do diretor de jornalismo.
Vinheta de abertura do telejornal. Na volta, o apresentador deseja boa noite. O gerador de caracteres escreve o nome do jornalista. Chama a notícia de um avião que caiu no mar, matando duzentos e trinta passageiros. Ao fundo, o editor, o redator, o cinegrafista, a produtora, o diretor de jornalismo, o estagiário e a repórter estão sentados em volta de uma mesa. Bebem cerveja. A produtora começa a cantar e os demais batem palma. O cinegrafista batuca em um tambor.
Entra a matéria sobre o acidente. Quando volta, o apresentador, em close, chama a repórter que está no aeroporto. A câmera abre e ele roda a cadeira virando-se para o monitor.
Terminada a participação ao vivo, o âncora anuncia um acidente rodoviário que aconteceu na madrugada. Na redação o diretor de jornalismo, com a gravata pendurada na cabeça, rebola em cima da mesa.
O apresentador chama o giro de notícias pelo país. A repórter está sobre a mesa dançando e fazendo um strip-tease. Primeiro ela tira o paletó do terninho. Roda e joga para o estagiário que estava na outra mesa.
É a vez do noticiário político. O âncora anuncia o segundo dia da CPI. Ao fundo, a repórter já está de calcinha e sutiã e faz uma dança erótica com o editor, que fica mais abusadinho e tenta agarrá-la. Esta lhe dá um tapa na cara e desce da mesa revoltada, pega as roupas e faz um escândalo enquanto se veste. Vai embora da redação.
Começam as notícias internacionais. Todas apresentadas pelo âncora. A festa da redação dá lugar a uma discussão entre o editor que dançou com a repórter e o cinegrafista. Os dois trocam empurrões. Entra a previsão do tempo que anuncia tempo bom com muito sol e calor.
O telejornal entra no intervalo comercial. Na volta, começam as notícias esportivas. O apresentador chama uma matéria sobre o brasileiro que venceu o campeonato de Fórmula 1. Uma briga generalizada já está instalada na redação, atrás do apresentador. Computadores e cadeiras são quebrados. Mesas e aparelhos de vídeo-tape voam.
Agora é anunciada a matéria sobre a estreia de uma peça de teatro, com um veterano ator. Lá atrás, homens encapuzados, fortemente armados, invadem a redação. Apontam os seus fuzis contra os jornalistas. É exibida a matéria. Na volta, corpos de todos estão estendidos no chão ou debruçados sobre as mesas que restaram da briga anterior. O editor de texto ainda agoniza tremendo os braços. O apresentador dá boa noite e encerra o telejornal. Ele arruma várias laudas e tira o microfone da lapela e o ponto do ouvido. Sobem os créditos.
Com este conto antigo, encerro a temporada 2023 do Tudo Cultural. Em três semanas publico os contos de Natal e Ano Novo. Boas festas e até 2024!
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