Conto de Gustavo do Carmo
Era um homem que acumulava viagens e milhagens. Júlio conhecia o mundo inteiro. Começou a viajar no final da adolescência, para Londres, como presente do pai pela entrada na faculdade de comunicação.
Despachou a sua sacola da Pier,
imediatamente reconhecida na esteira de bagagens do aeroporto. Mas na segunda
viagem para Londres, depois da formatura, confundiu a mesma com a de uma jovem
muito bonita. Teria levado a bagagem alheia se não tivesse prestado atenção na
etiqueta. Devolveu a mala com um sorriso constrangido.
Já como jornalista, as viagens
passaram a ser mais frequentes. Tanto a trabalho quanto para lazer. Já não
usava mais a bolsa da Pier, que estava muito gasta depois de vinte anos (e já
estava na época). Ainda mais depois que ela rasgou no meio do seu terceiro e último
voo. Foi até chamado pelo funcionário da companhia aérea que avisou que, por
pouco, suas roupas não foram extraviadas.
Acabou comprando uma mala de
rodinhas, cor azul marinho, como várias outras. Teve que ser criativo para
diferenciá-la. A fita laranja amarrada na alça, que usou pela primeira vez, não
deu certo, pois outros passageiros já usavam.
Colocou diversos adesivos. Mas
encontrou muita mala com adesivos iguais aos dele. Ou colocados na mesma
posição e formato igual. Trocou por uma dourada e outros passageiros também
usaram malas douradas. Correntes, fitas elásticas fluorescentes, fotos enormes
de carros e até sua foto em tamanho menor não adiantou, pois a esteira era
muito rápida e não dava para identificar seu rosto de longe, pois Júlio tinha
déficit de atenção.
Numa das confusões, levou para o
hotel, em Genebra, sem querer, uma mala feminina. Tinha pegado na pressa. Por
sorte, a verdadeira dona da mala pegou a dourada dele. Ambos acharam as
respectivas identificações, marcaram um encontro para trocá-las e acabaram se
apaixonando. Mirella tornou-se sua esposa. E por outra coincidência, era aquela
mesma jovem que tinha uma bolsa da Pier igual a sua e que quase tinha trocado.
Até que leu no jornal uma
reportagem sobre capas personalizadas com a foto gigante do passageiro.
Imediatamente mandou a fazer sua. Na estreia, pegou a mala errada, mesmo com a
sua foto.
Teve uma leve discussão com a moça que pegou a mala. Mas a briga acabou quando ela viu que o homem que reinvindicava a mala era a cara do seu marido falecido. A verdadeira bagagem do homem viajante apareceu na esteira minutos depois.
Os dois conversaram com mais calma e ele descobriu que o homem da foto da mala da mulher era o seu irmão desaparecido quando criança e que havia morrido recentemente com o vírus chinês da pandemia que parou o mundo. A dona da mala era sua cunhada.
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