Num canto da sala do apartamento de classe
média, em um bairro da zona norte do Rio, sozinha e apagada, a árvore de Natal
chora inconformada por ter sido abandonada pela família que a comprou:
— Por que me compraram? Por que me
montaram? Por que me enfeitam tanto se nunca passam o Natal comigo? Eu sou tão
grande e bonita, mas quando chega o dia eles me abandonam. Nem no reveillon eles ficam aqui. Vão todos embora
para Cabo Frio e só me desmontam quase em fevereiro.
A mesa de natal consola a árvore:
— Não fica assim, não. Os humanos são assim
mesmo. Eles dizem tanto ter espírito de Natal, mas nós, móveis, somos apenas meros
objetos de decoração.
— Este ano eles não me deixaram tomar conta
de nenhum presente. Nenhum embrulho colorido ficou aos meus pés. Eu quero
morrer. Eu vou apodrecer, vou me entortar toda e eles vão se arrepender. Insiste
a árvore, aos prantos.
— Deixa de bobagem, árvore. Eles ainda vão
passar muitos natais com você. Diz o anjinho do topo. — É que esse ano eles
decidiram passar o natal com outros parentes deles. Eles não são obrigados a
passar todos os natais aqui.
— Então por que me armam todos os anos,
porra?
— É por causa de um negócio chamado
tradição. Eles querem enfeitar a casa todos os anos com o espírito do Natal não
apenas neste dia, mas durante todo o mês de dezembro. Responde o anjo.
— Se eles não te armarem em algum ano, as
visitas dos seus donos vão achar que eles não têm espírito de Natal. Que são
insensíveis. Que são tristes. Por isso, mesmo que não estejam felizes, enfeitam
esta casa apenas para mostrar que tudo está correndo bem na família. Você não
pode se importar apenas porque eles não passam um dia com você. Quando na verdade,
passam o mês inteiro. Diz o sofá.
— E eu que este ano fui pendurada na porta
dos fundos? Grita lá da porta a guirlanda.
— Eu já estou acostumado a passar a noite
de natal sozinho. Diz o Papai Noel pendurado na árvore. Não é, boneco de neve?
— É, papai.
— Pois é. Eu sou pendurado desde que o
filho mais novo desta casa tinha apenas oito anos. Já aconteceu de tudo aqui
neste apartamento. Já presenciei festas alegres, festas em que só os donos
desta casa passaram aqui, brigas de casal, uma vez a árvore em que eu morava
foi chutada pela filha adolescente rebelde. Quase que ela me acertou. No outro
foi o pai da família que reclamava da crise financeira. Isso é porque você não
está acostumada. Relembra o Papai Noel.
Um brilho de luz invade a sala e dele
aparecem quatro árvores antigas.
— Quem são vocês? Pergunta a árvore triste.
— Nós somos as árvores que já foram usadas
nesta casa. Diz um pinheiro verde de plástico, de um metro, o que foi usado por
mais natais.
— E eu não fui usada apenas neste
apartamento. Passei metade da minha vida aqui e a outra no prédio em frente a
esse. Eu vi os dois filhos do casal que me comprou nascerem. Apresenta-se um
pequeno pinheiro de trinta centímetros e papel laminado branco.
— E eu fui a única árvore natural da
família. Morava na então pacata Ilha do Fundão e fui adotada pelo dono deste
apartamento. Só fui usada durante um ano. Depois me jogaram fora sem dó, nem
piedade.
— Não é verdade, galho. A dona desta casa
chorou muito quando te jogou fora. Foi uma bolinha quem me contou. Corrige a
árvore que ficou mais tempo.
— Estou com saudades de você. Diz o Papai
Noel pendurado.
— Eu também. Responde a árvore de um metro,
que foi montada em dezessete natais.
— Nós vimos lá do céu que você está triste
porque está passando o natal sozinha e sem presentes. Não fica assim, não. Eu
já passei por uma situação muito pior. Morei em Petrópolis na casa da filha
mais velha do casal. Ela brigou com um ex-namorado, encheu a cara de álcool e
vomitou em cima de mim. No ano seguinte, me trouxeram para cá. Diz a antecessora direta da árvore triste, um
pinheiro de plástico, de um metro e meio.
— Vocês são fantasmas? Posso ir com
vocês?
— Não somos fantasmas. Somos espíritos de
natal que incorporaram as árvores que foram usadas aqui.
— Eu não morri aqui. Fui doada para a
família da diarista desta família. No ano seguinte me jogaram fora na lixeira
da favela. Mas fiquei feliz por ter sido aproveitada por outra família mais
necessitada. Diz a árvore de Petrópolis.
— Infelizmente, você não pode ir com a
gente. Ainda tem que cumprir a sua missão nesta família. Esclarece o pinheiro
de um metro.
— Que missão? Ser abandonada por mais uns
vinte natais e depois jogada no lixo?
— Não uns vinte natais. Mas em dois ou três,
você vai passar sozinha. Em alguns, abrigará diversos presentes, mas passará
apenas com os donos da casa. Nos outros, nenhum. No entanto, verás muita gente
aqui.
— Duvido. Já ouvi os meus donos dizerem que
este será o meu último ano.
— Não é nada disso. É que a dona desta casa
está com setenta e dois anos. Ela tem medo de morrer nos próximos meses. Já
passou por muita coisa nesta vida e fica desanimada com o Natal. O casamento
dela como amor já acabou faz tempo. Só mora junto com o marido por causa dos
filhos. Este ano, você tem que agradecer por ser montada ao filho mais novo
dela, que adora Natal, mas também morre de medo de perder os pais e de não
gostar desta data. — Aliás, você tem que agradecer a ele não apenas por este
ano, mas simplesmente por ter sido comprada pela irmã, pois a mãe dele não
queria montar mais árvore nenhuma depois que eu fui doada para a faxineira da
família. Ah! E você é petropolitana como eu.
— E vem cá? Como você passou o resto do dia
25 no ano passado? Pergunta a árvore
branca.
— Sozinha, também.
— E no ano retrasado?
— Bem... você tem razão. A minha família
passou aqui. E o rapaz me acendeu e me admirou por alguns minutos.
— Então. Ele é o único que parece sentir
pena de nós, árvores.Na noite de natal você pode até passar
sozinha, mas no resto do dia, tem sempre alguém que passa com você. Que te
admira. Que te adora. Que acredita em você. Incentiva a
árvore de um metro. — Está certo que você vai ter um fim de natal meio
conturbado este ano, mas no próximo você será feliz e ainda homenageada por ele,
junto com a gente. Portanto, enxugue estas lágrimas, levante os seus galhos que
você ainda será muito feliz. Você está chorando assim porque ainda não teve a
sorte de ter uma noite de Natal acompanhada. Mas ainda terá muitos e recheada
de presentes. Feliz Natal.
— Feliz Natal. Dizem as outras árvores, o
anjo, o papai noel e o boneco de neve
A guirlanda grita lá dos fundos os mesmos
votos.
— Eu não tenho um peru, nem um chester e
nem maionese. Também não tenho como abrir o panetone. Mas posso te oferecer umas
nozes, castanhas e frutas. Deseja? Oferece a mesa.
— Não, obrigada. Agradece a árvore gigante que
estava carente e que agora está feliz da vida.
— Eu, infelizmente, não tenho nada pra te
oferecer. Lamentou-se o sofá.
— Não precisa.
— Olha, tenho um presente para você. Não é
embrulhado como os humanos usam, mas é colorido e muito especial. Ofereceu a
árvore de um metro e meio.
O pinheiro de dois metros e meio de altura,
enfeitado por dezenas de bolas coloridas, laços, correntes brilhantes e uma
pequena trilha de luzes permanentes, fica ainda mais iluminado com mais luzes
piscantes que não tinha e bolas maiores e agora acesas.
— Obrigada por tudo. Agradece a árvore
emocionada, mas agora de alegria.
As outras árvores desaparecem. Duas horas
da manhã chegam os donos da casa. O rapaz de trinta anos a vê piscando e
pergunta para a mãe se ela comprou outro pisca-pisca e ela responde que não. —
Então, quem comprou?
O rapaz chora ao admirar a árvore iluminada
e parece sentir pena de deixá-la sozinha. Lembra de todas as árvores que
passaram pela sua casa em toda a sua vida. Meia hora depois, tira a tomada,
apaga a árvore e vai dormir.
Três dias depois ele e a mãe a desmontam,
antes do dia 6 de janeiro, pois a família irá viajar para Cabo Frio e o rapaz
quis poupar a árvore de mais um sentimento de solidão no reveillon.
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