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Conto de Gustavo do Carmo



Nunca se atrasava, mas era sempre o último a chegar. Na escola, na faculdade, no trabalho, nos eventos familiares... na vida.

Zulmiro era o último filho de cinco irmãos. Quando a sua mãe estava grávida, várias colegas de trabalho dela também esperavam seus filhos. Algumas esperavam o primeiro, outras o segundo e as demais, o terceiro. Uraniana esperava seu último. Depois que Zulmiro nasceu, teve uma complicação no parto e ficou estéril.

Por causa desta enfermidade com a sua mãe, Zulmiro foi o último a deixar o berçário da maternidade. Teve alta para uma vida de últimos lugares. Era o último a ser chamado em todas as listas por ordem alfabética. Do pré-escolar à faculdade. Nunca inverteram a lista para lhe chamar em primeiro lugar.

Em casa era sempre o último a sentar-se à mesa. Os irmãos do meio até brigavam com ele, porque a comida só seria servida quando Zulmiro chegasse. Mesmo ele sendo o último na preferência dos pais. Afinal, por culpa dele, a mãe quase morreu. Era sempre esquecido pela família.

Por isso, Zulmiro tornou-se alvo de bullying em casa. Na escola também, mas nesse caso por causa do seu nome e do seu físico franzino. Sofria com as humilhações dos irmãos e dos colegas. Isso influenciou no seu rendimento escolar e ele foi o último dos filhos de Seu Uzair e Dona Urânia a aprender a ler. Era sempre o último a terminar os deveres e sair da escola todos os dias.  Seu pai só o levou ao psicólogo em último caso.

Zulmiro adorava corridas. De qualquer coisa: pessoas, cavalos, cachorros, carros, motos, etc. Sempre que torcia para alguém a sua aposta chegava em último. Ficou com trauma. Decidiu apenas curtir. Não queria competir porque sabia que chegaria em último. Ele mesmo chegava quando disputava uma corrida com os amiguinhos ou os irmãos.

No futebol, chegava sempre em último nas jogadas. Era o que fazia mais faltas. Vivia sendo expulso. Decidiu não torcer por ninguém para que o seu time não chegasse em último nos pontos corridos e não fosse rebaixado.

Zulmiro cresceu. Como último dos irmãos, claro. Também foi o último a amadurecer. E a entrar na faculdade, na qual conquistou a última vaga. Cursou jornalismo, onde manteve a rotina de chegar sempre em último, mas nunca atrasado. Era sempre o último a saber das notícias. E chegava em último na corrida atrás da notícia.

Nunca conseguiu exercer a profissão de jornalista. Precisou trabalhar, pois a vida dos seus pais estava nas últimas e era sempre o último a ser lembrado pelos irmãos. Conseguiu um emprego de vendedor. Era sempre o último a cumprir as metas, mas cumpria.

A sua vida de últimos lugares começava a mudar. Casou-se com a última herdeira de uma família aristocrática. Viúva de um ex-padre, Vânia ainda tinha as suas últimas riquezas. Aos cinquenta e um anos, Zulmiro foi o último dos seus irmãos a se casar, mas o primeiro a ficar rico. Apesar de apoiado pela esposa, era constantemente traído por ela com outros homens e ele era sempre o último a saber.

Mesmo assim, tiveram uma única filha porque era a última chance de sua mulher, quase na menopausa, engravidar. A criança foi batizada de Adane, para que ela fosse sempre a primeira a ser chamada e não ter o destino de último do pai, Zulmiro, que só nos seus últimos anos de vida riu melhor, mas riu por último. Somente agora tinha entendido a piada.

O Tudo Cultural entra de férias a partir deste conto. Agradeço aos leitores pela audiência e aos colaboradores João Paulo Simões, Dudu Oliva e Hermerson Miranda pela dedicação em 2012. Desejo a todos vocês um Feliz Natal e um 2013 repleto de paz e realizações. 

O blog não ficará parado. Nos dias 24 e 31 de dezembro entram no ar os contos de Natal e Ano Novo. E depois dessa data farei uma reapresentação de três contos publicados este ano como retrospectiva. Os colaboradores também podem programar os seus durante o período. 

Os meus contos inéditos voltam no dia 28 de janeiro. Sim. Em novo dia: agora todas as segundas-feiras. Até lá! 

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