Conto de Gustavo do Carmo
Desde a barriga da sua mãe,
Redson já era um redundante. Além dos redundantes chutes na barriga, dava
redundantes alarmes falsos antes do parto. Redundantemente fez seus pais saírem
correndo para a maternidade sem de fato nascer. Desde os sete meses de gestação
ele fazia seus pais correrem para a maternidade.
Nasceu finalmente no dia 11 de
novembro de 1988, com os naturais nove meses de gestação, na décima-primeira
contração do dia em que finalmente sua mãe foi ao hospital para fazer o parto.
Sua mãe foi internada à meia-noite do dia 11 de novembro de 1988, mas ele só
nasceu às onze e cinqüenta e cinco do mesmo dia 11 de novembro de 1988,
chorando redundantemente.
Nasceu em Volta Redonda. Numa
maternidade de Volta Redonda. Foi criado em Volta Redonda. Brincava
brincadeiras redundantes em Volta Redonda. Adorava brincar com o Ferrorama.
Aquele Ferrorama de trilhos ovais. Aquele Ferrorama de trilhos ovais nos quais
o trem andava sozinho. Sem competição. Sem emoção. Andava redundantemente
sozinho, tendo a manivela apenas para diminuir ou aumentar a velocidade e mudar
o sentido do percurso. Na pracinha gostava daquela roletinha giratória. No
parque adorava o carrossel.
Estudou em Volta Redonda. Na
escola tirava zero num bimestre e oito no outro. Ficava sempre em recuperação. Só
repetiu duas vezes. A sexta e a oitava série, as séries que ele repetiu. Nas
demais passou na recuperação. O mesmo desempenho se repetiu no segundo grau.
Tirava zero num bimestre e oito no outro. Ficava sempre em recuperação. Mas
passou em todos os três anos.
Redson foi aprovado em
octagésimo-oitavo lugar na faculdade de filosofia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Foi a faculdade que ele escolheu para estudar e exercer a sua
profissão. A faculdade de filosofia. Na hora de se inscrever para o vestibular
da Universidade Federal do Rio de Janeiro chegou a ficar em dúvida entre a
faculdade de filosofia e a faculdade de direito. Mas escolheu a faculdade de
filosofia porque era menos concorrida. A faculdade de direito era muito
concorrida. A faculdade de direito tinha muitos candidatos para uma vaga. Já a
faculdade de filosofia tinha poucos candidatos para uma vaga.
Redson era um cara bonito. Não
era feio. Era bonito. Diferentemente do que o seu nome, que na verdade
significa filho do vermelho e não redundante, como sugere, o que também sugere
redondo, e como redondo sugere também gordo, Redson era um cara magro. Não
muito magro, diga-se de passagem, magro na média. Seu rosto era redondo, aí
sim, parecido com o nome que sua mãe escolheu que não quer dizer redondo e nem
redundante. Seu nome significava filho do vermelho. Ela só não sabia explicar
de onde tirou a idéia para o nome do filho. Redundava sobre o assunto quando ia
explicar o nome do filho. Os cabelos de Redson eram cacheados. Ou melhor,
encaracolados como a personalidade de Redson sugere. Redundantemente
encaracolados.
Redson não era bom de redação.
Por isso não escolheu o jornalismo como profissão. Ia até escolher direito,
mas, como já disse antes, o direito era uma faculdade muito concorrida. Pelo
mesmo motivo rejeitou, também, a faculdade de psicologia. Escolheu filosofia.
Sua redação era redundante como este conto, aliás, escrito por Redson, e não
por Gustavo do Carmo, como está assinado.
Redson era melhor falando do que
escrevendo. No entanto, com as palavras saídas diretamente da sua boca, ele
redundava no assunto do mesmo jeito. E foi com esses discursos redundantes que
ele se formou, quatro anos depois de ter sido aprovado em octagésimo-oitavo
lugar na faculdade de filosofia. Faculdade que escolheu em preterimento às
faculdades de direito e psicologia, porque estas eram mais concorridas do que
as faculdades de filosofia.
Como Redson não tinha dinheiro
para fazer cursos de especialização em filosofia fora do Rio de Janeiro e fora
do Brasil, ficou sem campo para exercer a sua profissão de filósofo. Também não
tinha dinheiro para publicar livros sobre filosofia. Com discurso redundante
para argumentar porque não aceitava trabalhar em outra atividade Redson acabou
engrossando a longa e redundante estatística dos cidadãos economicamente
capazes desempregados. Voltou para Volta Redonda, sua cidade natal onde nasceu
no dia 11 de novembro de 1988, às vinte e três horas e cinqüenta e cinco minutos,
para continuar sendo sustentado pelo pai, na casa onde foi criado.
Para se ocupar com a redundante
sobra de tempo e falta de serviço, Redson andou fazendo algumas oficinas
literárias. Oficinas para que ele pudesse aprender a escrever com mais clareza
e menos redundância. Redson sempre sonhou em ser escritor, mas não era bom de
redação. Sua redação era redundante como este conto autobiográfico, que apesar
de estar escrito em terceira pessoa, fala da vida biográfica de Redson e foi
escrito por ele mesmo e, não, pelo Gustavo do Carmo, como está assinado no
início do conto.
Na quinta oficina literária que
Redson entrou para aprender a escrever com mais clareza e menos redundância,
Redson conheceu Clariane, que mudou sua vida e com Redson se casou. Clariane
fez de Redson um homem mais objetivo e menos burocrático e menos redundante, a
não ser pelo seu cargo burocrático e redundante de auxiliar administrativo que
ele conseguiu ao ser aprovado num concurso público após chutar redundantes
questões de múltipla escolha.
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