Conto de Gustavo do Carmo
Tinha
jurado nunca trair a sua esposa da mesma forma que o seu pai traiu a sua mãe
com três amantes. Mas Armando quebrou o juramento. Traiu Débora, que era atriz,
com uma repórter que trabalhava com ele no jornal.
Queria
assumir o novo romance. Só que precisava abrir o jogo com a esposa. Ou melhor,
com a namorada com quem morava, porque casados no papel eles nunca foram.
Coragem
era o que Armando não tinha. Mas precisava ter, pois se sentia culpado por
traí-la. Também tinha pena. Apesar de muito generosa com ele desde o início do
namoro (foi ela quem o indicou para trabalhar no jornal), Débora era muito
escandalosa quando se sentia enganada. E confessar uma traição seria um prato
cheio para a sua atitude. Ela não era ciumenta, mas neste caso poderia
explodir.
Armando
se envolveu com a repórter porque ela o consolava nas constantes brigas que ele
tinha com Débora. O ciumento era Armando, que reclamava da falta de tempo da
esposa para passeios a dois e o cansaço para transar, além das gravações que se
estendiam até a madrugada.
E foi
durante uma madrugada que Armando decidiu contar a verdade. Sua amante estava
fazendo plantão, então ele aproveitou que não estaria com ela para abrir o
jogo. Já sabia que Débora só iria chegar depois da meia-noite da gravação da
novela em que era protagonista.
Já era
uma e meia da manhã quando Débora girou a maçaneta da porta com a chave, entrou
na sala, jogou sua bolsa no sofá e se assustou ao encontrar Armando sentado no
outro sofá, olhando para ela, com as luzes da sala apagadas.
— Ai,
que susto, amor! Parece assombração. O que houve?
—
Preciso te falar uma coisa. Anunciou, com ar sério e misterioso.
— O
que foi? Alguma coisa com os meus pais? Perguntou, assustada.
— Não.
Não foi nada com eles. É entre nós dois.
— Ah!
Já sei! Você quer discutir a relação. Mas que hora, hein? Não vê que eu acabei
de chegar do trabalho? Estou exausta!
—
É bom que depois de eu falar tudo o que está entalado na minha garganta
você desabafa tudo de uma vez e depois vai descansar.
— Vai.
Então fala! Disse resignada.
— Pra
começar eu vi, pela janela, você chegando com um homem e se despedindo dele com
um carinho além do normal.
— Não
é nada do que você está pensando. Aquele é o Rogério, meu par na novela. É um grande
amigo meu.
— Eu
não estou pensando nada. Eu só estou convicto de que este é o momento ideal
para dizer o que tenho pra dizer.
Débora
parou pensativa. Respirou e decidiu:
— Quer
saber? Eu também tenho.
—
Então diz você primeiro.
— Não.
Diz você.
— Você.
— Não.
Você.
O
casal parou de discutir e Armando propôs.
—
Então vamos dizer juntos.
— Ok.
Os
dois disseram em alto e bom som, com a voz de Armando se sobressaindo.
— EU
ESTOU TENDO UM CASO COM A (O) LETÍCIA (ROGÉRIO). EU QUERO ME SEPARAR DE VOCÊ
PARA IR MORAR COM ELA (ELE)!
Os
dois pararam e voltaram a dizer juntos.
— RÁ!
EU SABIA!
— Seu
Cachorro!
— Sua
Puta!
O novo
ex-casal caiu na gargalhada. Uma gargalhada nervosa. Aliviada. Estavam livres,
sem nenhuma culpa. Mesmo assim, começaram a se beijar e fizeram sexo. Uma
saideira.
Uma
hora depois, nus na cama pela última vez um perto do outro, Débora perguntou.
—
Quando é que começou?
—
Começou o quê?
— A me
trair.
— Foi
depois daquela nossa décima briga. Daquele dia que em que você chegou, pela
enésima vez, a esta mesma hora em casa, me exigindo janta e reclamando da casa
mal arrumada.
Naquele
dia Armando reclamou da sua cara de pau de chegar da casa do amante e ainda
exigir jantar e casa limpa. Quando falou amante, levou um tapa na cara de Débora.
Foi dormir na casa dos pais.
— Você
foi dormir com ela, não foi?
— Não.
Naquele dia eu fui dormir com os meus pais mesmo. Fui ficar com ela no dia
seguinte. Desabafei sobre a nossa relação. E você? Já estava insatisfeita com
as minhas manias, né?
— Não.
O clima entre eu e o Rogério esquentou quando fizemos uma cena de sexo, mesmo.
Fiquei viciada nele.
Antes
de ir embora, Armando fez um último desabafo.
— Eu
condenei o meu pai quando descobri que ele tinha três amantes. Fiquei um ano
sem falar com ele. O velho é um mulherengo mesmo. E minha mãe uma santa. Por
isso, jurei nunca trair a minha mulher. Mas acabei traindo. Quebrei o meu
juramento. E eu achando que estava fazendo errado, estava realmente certo.
Vocês atrizes são umas putas mesmo. Foi um erro ter me casado com uma.
Armando
deixou Débora sem palavras. Mudou-se do apartamento, que era dela, e assumiu o
romance com Letícia. Armando casou-se na igreja e os dois tiveram um filho.
Débora também contraiu matrimônio com Rogério, ficou na sua residência e teve
uma filha com ele. Todos viveram felizes até novamente serem traídos.
Letícia
trocou Armando pelo presidente do jornal. Rogério trocou Débora por um homem.
Também
voltaram a trair. Armando se envolveu com a gerente do seu banco quando começou
a suspeitar que Letícia tinha outro. Débora se casou com o diretor da novela e
teve outra filha.
Armando
se sentiu culpado mais uma vez. Antes de abrir o jogo, resolveu se
confessar com o pai. Teve que ouvir:
— E
você me condenou porque eu tive três amantes, hein, meu filho? Só falta uma
para puxar completamente o seu pai.
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