Zuleide
só cortava o cabelo com o Fred. Só ele sabia aparar as suas pontas e não deixar
as madeixas armarem. Somente o Fred podia pintar, alisar e fazer a escova. Além
de tudo, era o seu único confidente. Só aceitava conselhos pessoais dele.
Quando
chegava ao salão, os outros cabeleireiros a assediavam como abelhas, mas
Zuleide só aceitava o Fred. Marcava horário somente com o Fred. Se ele
atrasava, esperava. Quando não podia aparecer, voltava para casa (frustrada) e agendava
um outro dia. Só fazia as unhas ou a depilação depois do corte pronto, pois
tinha medo de perder a vez, já que o seu trabalho era muito concorrido. Fred
atendia Zuleide em seu salão na Avenida Nossa Senhora de Copacabana.
Fred
era um homem moreno, alto e forte. Pele e barba lisa como bunda de neném.
Cabelos bem aparados. Casado, tinha três filhos. De origem humilde, foi
procurar emprego em um pequeno salão no Engenho de Dentro, que pertencia a duas
irmãs.
Estava
desempregado, prestes a ser despejado com a mulher e os ainda dois filhos
pequenos. Pediu um emprego para varrer o chão do salão. Ao ser flagrado
cortando perfeitamente o próprio cabelo em um dos intervalos do serviço, ganhou
uma oportunidade para cuidar do cabelo de uma cliente - amiga das patroas - que
serviu de cobaia. O corte chanel ficou perfeito. A mulher não só tornou-se fiel
como recomendou os serviços de Frederico para as amigas, entre elas, Zuleide.
Frederico foi promovido a cabeleireiro e passou a ser apelidado pelas donas e
as clientes de Fred. Fez vários cursos na área de estética e beleza para se
aperfeiçoar e regularizar a sua nova profissão.
Zuleide
morava no Engenho de Dentro. Era uma moça muito bonita, morena como Fred, que
tinha cabelos cacheados antes de alisá-los com o seu cabeleireiro preferido.
Publicitária, também foi promovida a diretora, o salário aumentou e ela se
mudou para Ipanema. Apesar disso, manteve-se fiel ao trabalho de Fred. Aparecia
toda a semana com o seu carro luxuoso na porta do salão no bairro do subúrbio.
A
violência da cidade aumentou. O trabalho de Zuleide também. Tornou-se difícil
para ela manter a fidelidade a Fred. Depois de um assalto que sofreu ao voltar
do salão onde o amigo trabalhava, Zuleide ficou com medo de aparecer no Engenho
de Dentro com o seu carro importado zero-quilômetro. Tratou de arrumar um
emprego para ele em uma rede de salões de beleza em Copacabana, onde podia ir a
pé.
Com
muita tristeza, Fred deixou as antigas patroas, que se transformaram na mãe que
ele perdeu cedo. Em cinco anos, Fred se destacou no novo local de trabalho e
conquistou também a clientela de artistas e profissionais liberais renomados.
Ganhou prêmios e muito dinheiro. Ficou rico.
Abriu
o seu próprio salão de estética e beleza. O negócio prosperou. Tornou-se
concorrido. Zuleide, claro, foi a sua primeira cliente. Porém, teve que se
conformar em ser obrigada a marcar hora com o amigo, pela primeira vez. A moça
ficou chateada no início, mas depois aceitou. Mas passou a ter ciúmes do
cabeleireiro com outras clientes. A esposa também. Manicure do salão, cismou
que o marido a estava traindo com Zuleide quando o via conversando alegremente
com a cliente. Só tirou a ideia da cabeça, por um tempo, quando foi
surpreendida com um jantar romântico e uma lingerie. Engravidou do terceiro
filho.
Já
Zuleide era tão obcecada pelo tratamento capilar de Fred que tinha pavor só de
pensar na morte dele. Chegou até comentar durante uma sessão de pintura:
—
Ai, Fred. Se você morrer eu nunca mais cortarei o cabelo na minha vida.
—
Ih, deixa de bobagem, Zu. Eu tenho tantos cabeleireiros talentosos. Se você
quiser eu te indico o René.
—
Não. Só aceito cortar o cabelo com você. Se acontecer o pior, aí sim eu aceito
a sua sugestão.
—
Xi, vamos mudar de assunto? Detesto falar em morte.
Aconteceu
o que Zuleide mais temia. Fred foi alvejado
por seis tiros no peito, caindo inerte no asfalto frio pelo sereno das
onze da noite. Saía do salão após um dia movimentado de trabalho e lucro.
Estava se dirigindo para o apartamento onde morava na Constante Ramos quando
sentiu o primeiro estampido quente em seu peito, vindo de alguém que havia
tocado as suas costas. A féria do dia foi roubada.
O
salão amanheceu aberto, mas sem atendimento. Apenas para os funcionários desolados
comunicarem o triste acontecimento às clientes. Zuleide se desesperou. Fez
questão de ir ao velório e ao enterro do cabeleireiro fiel e amigo.
Comportou-se como a viúva. Chorou abraçada ao caixão. Fez escândalo. Assustou
até as antigas patroas de Fred, que já estavam bem velhinhas. A verdadeira
viúva aceitou, contrariada, as condolências dadas por Zuleide. Os dois filhos mais
velhos de Fred estavam inconsoláveis. Os meninos começavam a trabalhar com o
pai. O rapaz, como cabeleireiro e a moça como atendente. O menino mais novo não
estava presente na capela. Ficou brincando na casa da avó materna, sem saber
que vai crescer órfão.
Zuleide
passou um mês de luto. Mandou até tingir algumas roupas de preto. Assim ia para
o salão do amigo falecido e cortava o cabelo com René, um jovem humilde que
teve a mesma trajetória de Fred, a quem também pediu um emprego. Mas René não
conseguiu agradar a Zuleide, que detestou o seu trabalho e dos outros nove
cabeleireiros do Freds Coiffeur.
Mudou
de salão. Tentou cortar em
Ipanema. Em um shopping da Barra, outro de Botafogo. Até na
zona norte. Voltou a cortar no salão das ex-patroas de Fred, no Engenho de
Dentro, já sob nova direção. Não se acertou com nenhum.
A
polícia suspeitou de assalto, da viúva por causa de ciúmes e de René,
homossexual apaixonado pelo patrão. Todos provaram inocência. As investigações
chegaram até Zuleide, através da denúncia feita por René que, indignado pela
humilhação que levou da nova cliente, se vingou, contando, em depoimento, o
comportamento exagerado da antiga cliente no velório. Também acharam as suas
digitais na pistola com silenciador. Zuleide confessou tudo.
Matou
porque descobriu que Fred desmarcou um horário com ela só para atender a sua
ex-melhor amiga, que lhe roubou o seu noivo, único homem por quem se apaixonou.
0 Comentários