Aquele dia


Desceu do ônibus e andou até a avenida principal do bairro de São Paulo. Ali morava sua tia. Ia fazer uma visita surpresa. A casa ficava na parte alta do bairro. Muito tempo atrás usava um corta caminho para chegar lá, andando da avenida. Tentou se lembrar.
Havia alguns buracos em seu mapa mental, mas resolveu ir assim mesmo. O outro caminho, feito pelos carros (o atalho era na contramão) levava quase o dobro do tempo.
Entrou numa rua errada. Perguntou para uma senhora moradora que passava na rua, onde era a Rua dos Guerreiros, mas a mulher não sabia.
Voltou. Era um trevo que dava para 3 ruas. A errada que havia ido primeiro era a da direita beirando um posto de saúde. Tentou a da esquerda, mas também não era aquela.
Voltou mais uma vez e acertou na rua do meio.
Chegou à casa de sua tia e na primeira conversa ela disse com sua voz estridente – que o irritava profundamente – por que não pegou o ônibus, que parava na rua de cima, ao invés de ficar se cansando feito um tonto?
Já começara daquele jeito.
Durante o almoço implicou com ele por que ela disse alguma coisa do tipo, “ah, eu pensei que estivesse morando lá ainda”. Ele não disse nada, continuou comendo, nem ao menos balançou a cabeça dizendo, não, não, eu mudei de lá. Achou que estava implícito.
Sua tia considerou uma afronta ele ter deixado ela no vácuo. Começou a falar, falar, falar.
Ele terminou as últimas garfadas rapidamente. Recusou a carona, (ela iria à avenida, só precisava trocar de roupa).
Deu tchau com um sorriso amarelo e tratou de sair dali.
Depois daquele dia, só voltara ali somente uma vez.
Desceu até a avenida principal andando, pelo caminho dos carros mesmo. Era só descida agora.
Passou num bar e tomou uma cerveja.
Na avenida principal pegou o ônibus que passava na frente da estação Portuguesa-Tietê. De lá pegou o metrô até a Mocca. Era clássico na rua Javari. Copa SP Junior, mas fazer o quê, né? Era uma desculpa pra sair de casa.
Chegou na rua dos Trilhos no final do primeiro tempo. A entrada era franca, mas os PMs não deixavam mais nenhum portuga entrar. Tinha uns vinte. Uns gritavam pros que estavam na última fileira de arquibancada, Ô tem lugar aí ainda?
Tem, cabe mais uns 50.
Iam até os policiais e diziam.
Ouviu só? Ainda cabe uns 50.
Mas os policiais ficaram parados e às vezes diziam não, outras só balançavam a cabeça e outras só ignoravam mesmo.
Foi assim até o final do 1º tempo e durante o segundo. Mesmo quando as pessoas as começavam a sair, os policiais não deixavam ninguém entrar.
Um dos que estavam do lado de fora disseram, ah, foda-se! Vamos na torcida do Juventus mesmo.
Ele foi junto com os outros em direção à rua Javari.
Mas quando estavam na metade do caminho, um portuga disse, Ih, seis vão na torcida do Juventus? Não adianta nem ir. Os caras não tão deixando entrar lá também não.
E eles tornaram a voltar no portão da torcida visitante.
Quando o jogo acabou (os donos da casa levaram por 1 a 0), ele deu a volta no quarteirão e entrou na fila pra entrar no segundo jogo, Figueirense contra um time do nordeste. Preferiu ir pra a arquibancada coberta, porque fazia um calor dos infernos.
Passou a maior parte do jogo conversando com um torcedor da Portuguesa que estava sentado perto e que tinha visto o jogo de antes. Falaram sobre a situação atual do clube, da ruindade dos jogadores da base que acabaram de perder, da nova presidência, dos títulos roubados...
Quando acabou o jogo foram embora, cada um para o seu lado. Ele andou até a estação de metrô, colocou o bilhete na roleta, passou e ficou na beira da plataforma, esperando o trem.
Quando chegou, ele entrou, sentou-se, e o trem começou a funcionar novamente.


Conto de Lucas Beça

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