PUBLIQUE AGORA! (PARTE 2)

Leia a primeira parte.


Antes de ouvir o ruído dos helicópteros sobrevoando o prédio e observar a multidão pequena como uma colônia de formigas que se aglomerava na frente do prédio e a bela paisagem da baía de Guanabara, Afonso, o dono da editora e, naturalmente, o editor, percebeu o burburinho em sua própria sala comercial.

Interrompeu a entrevista que fazia com Luana, a morena avantajada, e saiu do seu escritório repleto de livros, certificados e troféus. Foi ver o que acontecia na recepção aos gritos, como um patrão que tenta botar ordem na casa.

— O que está acontecendo aqui, hein? Quem é você?
— Eu sou o cara que vai explodir todo mundo aqui nesse prédio se não publicar o livro que eu escrevi! Respondeu Edgar, apontando o revólver para Afonso.
— Isso é impossível. Não dá para publicar.
— É impossível para escritores sem pistolão, sem Q.I.! Para os seus amigos tudo é possível! Eu só libero vocês depois que o meu livro for editado, revisado e mandado para a gráfica. Aliás, o meu e do meu amigo Wesley, que eu acabei de conhecer.
— Olha, eu não tenho a nada ver com isso não, tá? Se justificou o amedrontado escritor negro.
— Ninguém te perguntou nada. Gritou Edson.
— Está bem. Eu publico. Venha a minha sala. Mas libera as reféns.  A gente conversa depois.
— Você acha que eu sou idiota? Eu libero todo mundo, a polícia invade o escritório, me prende e eu não tenho o livro publicado. Eu sei que vou preso. Mas quero o meu livro publicado e bem divulgado.
— Mas o revisor não está aqui.
— Você não é editor, escritor, faz tudo? Dono dessa merda aqui. Se vira!
— Mas o advogado da editora não está aqui. Não dá para fazer o contrato. Também não dá para registrar e catalogar agora. Leva dias para sair.
— Você não tem contatos? Para os seus amigos sai rapidinho. E na emergência da situação também. Se vira. Manda chamar. Liga pro advogado. Liga pro despachante. Mas quero o meu livro e o do meu amigo nas livrarias amanhã.

Edgar ouve uma das meninas reféns dizer — Esse homem é louco. Ele sequestrou todo mundo para publicar o livro dele. Se dirigiu a ela, tomou o seu celular, desligou e guardou na sua pasta.

— Depois eu devolvo.

Em seguida, apontou a arma de volta para Afonso e exigiu que ele ligasse imediatamente para o advogado e para o despachante. Entregou-lhe também um pen-drive com todos os seus textos e o mandou usar o computador da recepção.  

— A coletânea está em CONTOS.EDGAR.DOC. Eu só trouxe o calhamaço para atender às exigências absurdas de vocês. Você tem algum pendrive, Wesley?
 — Não.
— Bem, então o seu fica pra depois. Eu tentei ajudar. Agora você vai revisar só os meus contos.

Enquanto Afonso ligava para o despachante, Edgar se virou para uma das moças, a ruiva, a pegou pelos braços com o revólver apontado em seu pescoço e foi com ela até a porta de vidro. Mandou-a pedir que a polícia não arrombe a porta e avisar que iria liberar todos assim que o editor mandasse o seu livro para o parque gráfico. Ainda reafirmou que iria detonar a bomba que carregava por baixo da camisa se as exigências externas não fossem cumpridas. Ainda pediu uma pizza e refrigerante para matar a fome dos reféns.
Cientes da motivação inusitada do escritor, que estava tratando razoavelmente bem os reféns, a polícia e a imprensa piedosamente atenderam às exigências.
Enquanto Afonso revisava o texto, fazendo algumas correções, Edgar começou a desabafar para os reféns, que comiam a pizza e o refrigerante, que fez tudo aquilo por desespero pela situação econômica do pai, do medo da irmã ficar desempregada, da saúde da mãe e da sua incapacidade psicológica para trabalhar. Contou a história do boicote da editora que publicou o seu primeiro livro.
— Cansei de correr atrás e morrer na praia. Cansei de ser enganado. Tive um conto plagiado por um cara que pensava ser seu amigo. Cansei de ver a panelinha da zona sul e parentes de gente famosa vencendo facilmente na vida, tendo os seus livros facilmente publicados. Aliás, vocês moram onde? Podem falar, não precisam mentir. 

Luana morava em Botafogo. Afonso na Barra. Luciana na Gávea. A ruivinha no Jardim Botânico. A lourinha gorda em Icaraí, Niterói. A morena magra também. Só Wesley que morava na favela. Mas no Dona Marta, em Botafogo.

— Estão vendo! Moram todos na região nobre da cidade. E do estado também. Até o Wesley, que mora na favela.
— Você está exagerando. Já publicamos livros de gente que nasceu em Bento Ribeiro. Até de um índio que morava em uma comunidade ribeirinha. Respondeu Afonso.
— Essa gente que nasceu em Bento Ribeiro já era famosa quando teve o livro publicado e livro de índio todo intelectual gosta de ler. Enquanto eu, que moro no subúrbio, tenho que atender às exigências esdrúxulas de originais impressos em espaço duplo, fonte determinada, público-alvo do livro.
— É exatamente para ninguém plagiar que exigimos tudo isso. A regra vale para todos. Disse Luciana, pela primeira vez desde que virou refém, com carinho.
— Mentira! Essa falácia é desculpa para não ler e privilegiar a panelinha. Eu tenho dificuldades de me expressar. De definir exatamente o que eu quero. Me comunico através dos meus contos. As pessoas, ao mesmo tempo que acham que eu não tenho nada, que eu sou um oportunista, um preguiçoso, vagabundo, no fundo têm certeza que eu tenho algum problema mental. Os psiquiatras não conseguem identificar. Dizem que não é déficit de atenção, não é autismo, não é nada. Mas normal eu não sou. Ele diz, já chorando. — Parece até que para ter um livro publicado é preciso ser usuário de drogas, prostituta, ex-presidiário, deficiente ou mesmo morrer.

Luciana teve vontade de dizer que ele já era um deficiente mental e um sequestrador e mesmo assim não teria o livro publicado. Mas apenas se limitou a dizer:

— Desculpe a sinceridade, mas essa gente desperta mais interesse e vende mais.  
— Aff! Cansei de ouvir essas desculpas. Artista é muito arrogante. O Wesley aí foi vítima deles. Foi acusado de perseguição por um cineasta babaca que não queria ver o roteiro dele. Depois ficou dizendo que o roteiro não era o seu estilo. Ficou debochando. Mas aposto que ia plagiar. Tenho certeza que existe uma máfia de plagiadores no mercado editorial. Os atores que se lançam na literatura já têm um texto pronto, vindo dos originais que os coitados aspirantes mandam sem ter retorno.
— Isso não é verdade. Eles escrevem seus próprios textos e atendem as mesmas exigências para qualquer um. Esclareceu Afonso.  
— É sim! E é mentira que essas regras são para todos. Agora cala a boca e continua a revisão. Senão, não libero todo mundo tão cedo.
— Mas foi você quem puxou assunto.
Após doze horas, o livro ficou pronto. Afonso fez tudo: revisão, diagramação, textos de orelha e capa. Foi mandado, pela internet, para a gráfica, que ficava no mesmo bairro de subúrbio onde Edgar morava. Sabendo da informação, Edgar liberou todos.

O luxuoso escritório ficou uma bagunça e fedendo com a urina da ruiva nervosa e os restos de pizza.

Edgar foi algemado na saída, ainda no corredor do andar, para desespero e vergonha dos pais e da irmã, que apareceram no prédio a partir da quarta hora do sequestro. A mãe passou mal, mas sobreviveu.

A coletânea de contos do Edgar foi realmente impressa. Mas não chegou a ser distribuída nas livrarias. Não havia o código de barras e nem a catalogação. Afonso enganou Edgar. E foram impressos apenas 100 exemplares, como teste.
Edgar foi posteriormente internado no manicômio judiciário e renegado pelos pais, a irmã, os parentes e a mídia.

Já o romance ambientado na Unidade de Polícia Pacificadora de uma favela, que conta a história de um amor impossível entre uma policial da Força de Segurança e um traficante, escrito por Wesley, foi lançado no mês seguinte, catalogado, registrado e codificado.

A noite de autógrafos teve a presença da mídia, do editor Afonso, da recepcionista Luciana (que ficou simpática e amiga do autor), das outras reféns feitas pelo ausente Edgar e dos vizinhos do autor na favela. Fez o maior sucesso. O autor conquistou até o amor da ruivinha, com quem se casou e teve um casal de gêmeos.

Com as vendas de Amor na UPP, Wesley pagou um advogado para relaxar a prisão ou atenuar a pena de Edgar e o contratou como seu assessor de imprensa. Ficou eternamente grato ao novo amigo, apesar de ameaçado pelo seu revólver de brinquedo e o cinturão de cilindros de papel.


Dois anos depois, com o dinheiro economizado do salário, Edgar pagou uma outra editora para lançar o seu primeiro romance, Publique Agora, sobre o sequestro que cometeu. A tiragem foi pequena, o livro mal divulgado e não vendeu nada. Ele escrevia muito mal. 

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