RETROSPECTIVA 2013 - O RIO FICOU DIFERENTE (E POR ÚLTIMO)


Crônica de Gustavo do Carmo

Que o estado do Rio de Janeiro perdeu importância e influência na política, economia e cultura nacional desde que a capital do Brasil se mudou para Brasília estamos carecas de saber. Se não tivéssemos ganho o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a situação estaria  bem pior.

Não vem ao caso agora discutir o abatimento do helicóptero da polícia militar por traficantes, um dia após o anúncio do Rio como sede, em 2009. Quero falar de outra marginalização que estão aprontando com o Rio de Janeiro. Não exatamente a associação da cidade à violência e pobreza nos noticiários. Mas na publicidade e dramaturgia.

Quando era a capital da República, a cidade do Rio era sede de várias agências de publicidade, nacionais ou multinacionais. Com a mudança para Brasília, todas se mudaram para São Paulo e as novas agências que foram criadas nos anos 80 e 90 se instalaram lá, que segundo defensores, se tornou o termômetro financeiro de um país gigantesco como o Brasil.

 Hoje, o Rio de Janeiro é tratado como uma cidade diferente e aparece sempre em último lugar nas campanhas que se referem a vários estados, mesmo o Rio tendo 90% das produtoras de cinema e TV do país. A desculpa é que o privilégio a São Paulo se deve ao mercado publicitário concentrado lá, como se só eles consumissem nesse país.  

O primeiro exemplo do desrespeito da publicidade é o comercial do iogurte Densia, da Danone, voltado para mulheres maduras. Uma locutora anuncia ”50 Coisas para fazer depois dos 50”. E logo a primeira atitude é “Encontrar as amigas numa cidade diferente”. E qual cartão postal aparece ao fundo da imagem das amigas na praia? Pão de Açúcar, claro.

Agora eu questiono: de Capital da Colônia, depois do Império e finalmente da República por quase 200 anos, o Rio de Janeiro se transformou numa cidade diferente? Ora, tá na cara que o comercial foi produzido por publicitários paulistas para mulheres de 50 de todo o país, menos do Rio de Janeiro, mais conhecido no mundo do que São Paulo. Por que as amigas não se encontraram na Tailândia? Agradaria ao país inteiro.


Um segundo exemplo é o anúncio do programa de milhagens Smiles, uma série com três filmes. Em um deles, executivos em reunião de trabalho contam como usaram suas milhagens se transformando em personagens e aventuras (no caso da moça que foi ao Jalapão). No fim, o patrão confessa que "foi" ao Rio de Janeiro enquanto aparecia com fantasia de destaque de carnaval e recebendo uma chuva de confetes. O slogan: "Quem vai com Smiles, volta sorrindo". Sorrindo da cara dos amazonenses, baianos e cariocas, né? Além de esfregar na cara que o comercial foi produzido em São Paulo e para paulistas, debocha do Rio como uma cidade exótica e carnavalesca. Deveria cortar esse comercial para cá ou apresentar outra versão.


O terceiro exemplo é o comercial da cerveja Brahma, marca da Ambev. Depois de toda uma prosa poética sobre o torcedor de futebol, um jovem louro pega uma lata da Brahma, que se transforma nas cores de vários clubes dos principais brasileiros patrocinados pela marca. Os quatro clubes paulistas, claro, aparecem primeiro. Depois os mineiros, baianos, pernambucanos, gaúchos e, por último, os cariocas. Eu entendo que a situação do futebol carioca não está boa, mas não precisa uma marca de cerveja nascida no Rio de Janeiro nos tripudiar, né?


Eu ia dar um quarto exemplo: o comercial da Friboi, que mostra para o Tony Ramos que o Brasil inteiro exige carne de qualidade. São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre... mas o Rio não aparecia de jeito nenhum. Cheguei a pensar que o carioca não gosta do frigorífico JBS ou que esqueceram da gente, mas enfim apareceu o Rio. Estão perdoados.


Além da publicidade, já vimos a marginalização do Rio de Janeiro também em novelas e seriados da Rede Globo que são ambientados em São Paulo. Guerra dos Sexos, de Silvio de Abreu, e o seriado Aline, ambos já encerrados faz tempo, mostraram alguns personagens sendo assaltados e trapaceados quando vieram para cá. E na recém-terminada Sangue Bom, a personagem Renata (Regiane Alves) foi transferida para o Rio como se, novamente, fosse uma cidade diferente onde pudesse recomeçar a sua vida. Mas aí já é outra história.

Com todo o respeito, já não basta São Paulo guiar a política, economia, futebol e cultura do país, nos impondo seus amigos secretos, suas gírias locais, suas bolachas recheadas (que aqui chamamos de biscoito), seus rachas ilegais, falar extra com é agudo e a letra é com som fechado. Agora tem que virar nossa moral de ponta cabeça, nos tratando, em seus reclames, como uma cidade diferente, exótica?  

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