Reencontro

Conto de Gustavo do Carmo


Eu não queria, mas a editora insistiu. E acabei concordando, a contragosto, em fazer uma noite de autógrafos para lançar o meu terceiro livro. As duas experiências anteriores foram desagradáveis. Ou melhor, não corresponderam às minhas expectativas.


Nem pareciam lançamento de livro, mas alguma festa familiar. Alguns parentes compravam cinco livros de uma vez. E o meu pai comprou o resto do estoque para dar venda. Odeio isso. Além de não incentivar o meu talento e não elevar a minha autoestima, fica tirando os livros do mercado. Fora os amigos que ele fica me obrigando a convidar. Gente que eu nem conheço.

Concordei em fazer o lançamento com a condição de que a editora se responsabilizasse por tudo, inclusive pelos convidados. Mesmo assim eu não deixaria de convidar os meus parentes. Só parentes, porque não tenho amigos. Aliás, só tenho um, que mora em Teresópolis e eu não sabia se iria.

Mas foi. Além dele, também apareceram quase todos os parentes que eu convidei, tanto do meu pai quanto da minha mãe. E os amigos de ambos e da minha irmã também. Numa grande livraria de um shopping da Barra da Tijuca, onde se realizou a festa, havia bastante gente. Estava autografando muito. Minhas mãos começaram a doer.

A dor pior veio em seguida. Uma ex-colega de uma pós-graduação que eu abandonei (o curso) aguardou pacientemente a sua vez na fila. Uma não, dois ex-colegas. Estavam casados. E ela grávida. Os dois se diziam meus amigos, mas começaram a me boicotar nos trabalhos de grupo, inclusive o final.

Gostava dela como mulher, mas sabia que ela já era casada com outro homem (antes deste ex-amigo) e tinha uma filha adolescente. Respeitava muito isso. O novo marido não respeitou. Deu em cima dela na minha frente. De repente, ela quis deixar o primeiro esposo cuidando da filha e foi trabalhar. Depois que eu já tinha saído do curso fiquei sabendo que eles estavam trabalhando na mesma afiliada de TV do interior do Rio.

Agora, os dois estavam casados (ela pela segunda vez), apaixonados, “grávidos” e felizes na minha frente. Eu, sofrendo com a minha dependência financeira do meu pai e meu desemprego, apenas com o sonho de ser escritor famoso.

— Parabéns, Gustavo! Autografa pra mim, meu marido e a minha filha? Pediu ela, como se nada tivesse acontecido.

Fechei a cara.

— Desculpa, mas eu não autografo livro para gente cretina, falsa, mentirosa e desprezível. Com licença.

A minha mãe tentou me censurar, chamando o meu nome em tom de repreensão. Levantei-me da mesa sem dar mais uma palavra, apenas pedindo para a representante da editora avisar que eu iria ao banheiro e voltava em instantes. Ao meu cunhado avisei, num canto, que eu só retornaria quando esse casal de traidores fosse embora. Dei uma volta no shopping. Quando voltei para a livraria, dez minutos depois, o casal de ex-colegas não estava mais lá. Nem os convidados. A livraria ficou vazia. Os livros abandonados na mesa. Resmunguei para a moça da editora:

— Entendeu porque que eu não queria festa de lançamento? 

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