Querido Breviário...

Por @hemersomn


Hoje eu cometi meu primeiro erro muito cedo: acordei. E acordei antes mesmo do despertador alarmar, o que me deu uma grande vontade de dar um soco na minha cara pra eu deixar de ser tão idiota. Quase fiquei cego com a luz que vinha da janela. Uni todas as minhas forças pra sentar na cama e me preparar pra unir mais forças ainda pra levantar. Fui me arrastando, nu, pro banheiro. Se eu tinha esperanças de que a preguiça fosse embora com o banho? Claro que não. Isso tá tão impregnado em mim que eu já a trato com carinho e sentiria saudades se ela me deixasse.

Então...escovei meus dentes, olhei-me no espelho tentando ver, por algum ângulo, que eu estava bonito acordando pela manhã. Óbvio que isso foi frustrado. Antes de ligar o chuveiro eu olhei pra baixo e resolvi bater uma, lembrando do vídeo que tinha visto na noite anterior. Uma tal de Gemma não-sei-o-quê. O nome dela já era bastante sugestivo. Foi bom. Mesmo tendo sido muito rápido. Mas logo eu já estava debaixo do chuveiro, sendo massageado pela água e a mente discutindo com meus demônios sobre a efemeridade da vida.

Tomei café. Torrada e ovo frito. Não tinha coragem pra fazer mais que isso. Tecnicamente não tinha mais do que isso pra se fazer. Então fui pra a parada esperar meu ônibus e ir até o trabalho. O que eu faço? Sinceramente? Não vale a pena saber. Só digo que é tão monótono como uma pessoa chamada Agenor.


Claro que o ônibus tava cheio. Claro que eu fiquei de pé. E claro que tinha um cara de camisa regata com sovaco peludo fedendo a cebola, quase me arrancando lágrimas. Quando chegou na minha parada, ônibus ainda cheio, eu passei pelo dilema do corredor lotado, escolhendo em quem me esfregar. Na bunda dos homens ou das mulheres. Sendo que ambos não gostariam. Decidi pelo que me agradaria mais.

A pior parte do trabalho, certamente, é quando se chega nele. Tenho ânsia de vômito quando vejo os sorrisos das pessoas logo de manhã. "Eu quero que você tenha um dia cheio de muita luz." Sério isso? Dia de muita luz? Eu não aguento. Fui pro meu cubículo, mas claro que não fiz nada. Meu dia de trabalho só começava depois que eu via Vanessa. Vanessa. Ela sempre vinha deixar uns relatórias pra eu dar uma conferida. Mas a conferida que eu dava era no decote dela. Ah aquele belo par de peitos. Todo dia era um decote diferente. E cada dia também é diferente a olhada que eu dou. Discreto como só eu sei ser. Claro que eu deixo pra entender o que ela me disse depois. Prefiro conferir aquela visão deliciosa.

Mas algo estranho aconteceu. Nesses cinco anos que eu estava lá...Vanessa não apareceu. Era uma hora sagrada. 8:15 ela vinha, pontualmente. Eu ouvia o som de seus passos no salto agulha. Sentia seu perfume se aproximando e sua doce voz cumprimentando outros colegas antes de vir até mim. Mas naquele dia, apesar de todos os outros ruídos, pra mim, só havia silêncio. Se eu a convidei alguma vez pra sair? Claro. Que não! Eu sou muito covarde, admito. E agora eu acreditava nisso mais ainda.

Agora eu não sabia o que fazer. Eu nunca havia faltado. Nem ela. E com a quebra desse meu ritual diário...meu mundo caiu. Esperei mais dez minutos. Então não aguentei e fui até a gerente. Encarei aquela cara de sapo, naquela sala cheirando a naftalina. Tentei desviar os olhos daquele penteado grotesco nos seus cabelos grisalhos que parecia mais um ninho de marfagarfos. Perguntei se tinha acontecido algo à Vanessa. E tinha. E agora estava acontecendo a mim.

Eu vi que a partir daquele dia minha vida mudaria. Claro que não seria pra melhor. Maldita rotina. Vanessa havia pedido demissão. Encontrara um emprego melhor. Mas e eu? Ela não pensava em mim? Claro que não, seu idiota! 

Voltei pra a minha mesa, triste, amargurado, querendo um canto pra rasgar meus pulsos com os dentes. Então, quando cheguei ao meu cubículo, pra minha surpresa, estavam lá os relatórios, acima do meu teclado. Eu sorri. Nem sei a razão desse sorriso, já que com certeza ela não havia voltado a trabalhar. Meu sorriso murchou. Desabei na cadeira, num estrondo que fez outras pessoas se assustarem. Aí ouvi detrás de mim uma voz diferente. Parecia uma criança. Me virei e era uma mulher. Negra. Muito bonita. Alta. Mais alta que eu. Um sorriso branco que bateu nos meus olhos e fixou morada. Me disse que seu nome era, olha só, Vanessa. E que tinha começado a trabalhar hoje. Sorri pra ela. Sua simpatia era contagiosa, mas não...ela não usava decote. E tinha seios médios. nada que chamasse realmente a atenção. Eu agradeci pelos relatórios e disse que após terminar eu levaria até ela. Ela sorriu e virou-se para sair.

Essa virada deu um novo rumo à minha vida. Aquela bunda tomaria o lugar em meu coração, o vazio deixado pelos peitos da outra Vanessa. E o sorriso voltou aos meus lábios. Comecei a trabalhar.



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1 Comentários

Marden Cesar disse…
Imaginei o Dexter em você... admirável a forma como escreve!