GASTADOR

Por Gustavo do Carmo

Era um gastador desde o dia em que nasceu. Dener era um bebê forte e roliço que veio ao mundo de parto normal e deixou gastos os lábios vaginais de sua franzina mãe. As lágrimas que anunciaram o seu saudável nascimento não foram gastas, mas bem investidas.

Mamava como um bezerro, porém, sempre deixava escorrer o leite por sua boquinha. Quando passou a usar a mamadeira jogava-a longe, esparramando e desperdiçando todo o leite no chão.

Quando criança era desajeitado e vivia quebrando os seus brinquedos. Algumas vezes quebrava de propósito para conseguir outro melhor. Os que restaram inteiros foram gastos pelo tempo de uso.

A adolescência definiu a personalidade de Dener na fase adulta: o de gastador de tempo, dinheiro e produtos essenciais. Com o dinheiro, comprava produtos e serviços inúteis. Na higiene gastava muito papel higiênico, sabonete e pasta de dente. De água então... Nas refeições, se servia com mais do que comia e, por isso, vivia deixando comida no prato.

Ficava horas no telefone com os amigos. Com os mesmos também trocava mensagens pelo celular e de correio eletrônico, gastando mega bytes e muita energia. Aliás, usei mesmos só para não repetir palavra, pois os amigos mudavam a cada nível de educação de Dener. Eram todos desperdiçados ao longo do tempo. Mas o desperdício não era culpa dele.

Também gastas eram as paqueras que não lhe trouxeram nenhum retorno. Dener só não gastou a sua virgindade. Os espermatozóides desperdiçados eram solitários e vindos do prazer fotográfico.

Situação semelhante aconteceu no mercado de trabalho. Formou-se em comunicação, mas nunca conseguiu um emprego. Gastou muitas oportunidades. Desperdiçou palavras que caíram como insegurança e inaptidão no colo dos avaliadores de Recursos Humanos.

Para ampliar as suas oportunidades e a área de conhecimento Dener cursou todas as habilitações da comunicação: jornalismo primeiro e depois, na sequência, publicidade, radialismo, relações públicas e até turismo. Fez seis pós-graduações – uma para cada área e mais uma em gestão - cinco oficinas literárias, três cursos de roteiro, um curso de assessoria de imprensa e outro de jornalismo online. Gastou dinheiro e não teve nenhum retorno.

Deprimiu-se com o dinheiro, o tempo e os amigos que desperdiçou. Procurou um psicólogo. Depois outro, mais outro e completou seis profissionais diferentes. Todos pagos com dinheiro gasto. A única com a qual se adaptou faleceu. Tentou descobrir se tinha algum problema mental e gastou mais dinheiro consultando uma psiquiatra. Descobriu que tinha déficit de atenção. Mais gastos com remédios caros. Cansado de não ter resultado no seu tratamento, trocou por uma mais barata. Mas gastou o mesmo com mais remédios.

Apesar de ter se sentido culpado e se conscientizado dos gastos excessivos que tinha (telefone, TV a cabo, internet, livros, dentista e transporte nos seus passeios) e tornar-se um homem pão-duro, Dener continuou gastando: dinheiro, tempo, sola de sapato, oportunidades... até que gastou uma bala de revólver pela única vez.

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1 Comentários

Camila Passatuto disse…
No fundo, podemos ver um filho-refém da sociedade-mãe, ambos com o sobrenome: gastador.
A parte materna gasta seu tempo para fazer a cria correr em busca de sucesso. E sucesso é visto como acumulo de algo. Fãs, dinheiro, mulheres, troféus, passado, presentes.
E o filho-refém segue a trilha, em desespero cego, procurando acumular o que nunca consegue, talvez por ter como verdadeira mãe: A Liberdade.
A Liberdade não cobra acumulos. Se o filho gasta, não há problemas...

Gostei muito do conto.
Faz refletir.

Parabéns!