No escurinho do cinema



Marianinha sempre dera para qualquer um. Era
chamada assim, no diminutivo, mais pela sua
estatura, que por afeição – ainda que inspirasse
muito no início, principalmente entre os garotos
do bairro. Mas depois de alguns amassos, vinha
invariavelmente o perverso desprezo, pela
facilidade da conquista. Mas ela nem percebia,
nem se importava com isso. Menina ainda, por
um sorvete ou um pacote de bolacha de
chocolate, subia a saia e deixava que lhe
metessem a mão entre as pernas. Por dois, as
abria, deitada no matinho da praça escura ou na
beira do riacho. Nessas ocasiões, os meninos se
deliciavam vendo o outro colega encima dela,
enquanto esperavam sua vez. Marianinha se
divertia com eles sem se importar com as demais
pessoas. Filha única de pai desconhecido,
morava com a mãe numa casinha na periferia da
pequena cidade. Baixinha, foi ficando gordinha
com tantas guloseimas, incluídas as devoradas
no escurinho do cinema da cidade enquanto
manuseava o pinto de qualquer menino sentado
ao lado que lhe pagara o ingresso, a pipoca ou a
barra de chocolate. Marianinha, nem ligava.

Assim, mesmo sempre miudinha, foi virando
moça vistosa e seus seios, agora opulentos,
começaram a atrair a atenção dos homens
maduros.

Quando a mãe lhe perguntou que tênis novos
eram aqueles, ela respondeu que ganhara do
senhor da farmácia.
Quando lhe perguntou de onde tinha tirado
aquela saia nova, ela respondeu que ganhara do
senhor da padaria.
Quando a mãe lhe perguntou de onde tinham
saído aqueles bifes todos, ela responde que
ganhara do senhor do açougue.
Quando lhe perguntou quem lhe fizera aquela
barriga, não respondeu.
Marianinha não sabia.

Voltando do hospital com o bebê no colo,
Marianinha soube que sua mãe tinha tido um
ataque naquele dia e levada às pressas para o
hospital.
No dia seguinte, enquanto trocava a roupa do
nenê, como as enfermeiras lhe ensinaram,
alguém avisou que sua mãe tinha falecido.

Dias depois, Marianinha, levando no colo a
filhinha, foi até a casa do senhor da farmácia.
O assistente dele disse que estava viajando. E lhe
gritou que não sabia quando voltaria.

Depois, não encontrou o senhor da padaria, mas
sua mulher lhe deu um bolinho de chocolate, que
ela comeu sozinha, sentada no banco da praça
com a filha no colo.

A mulher do açougueiro, ao vê-la entrando no
local, e sem dizer nada, a ameaçou com uma faca,
sem ela ter aberto a boca.

Os garotos conhecidos, que muitos agora
pareciam moços, não a conheciam mais.
Marianinha, sozinha na casinha, com a filha a lhe
mamar os fartos seios, nem ligava.

A partir daí, antes mesmo que tivesse tempo de
sentir fome, ela foi-se alimentando com os
mantimentos, que, sem saber como nem por
quem, encontrava na porta de sua casa. Sem se
importar com o mistério, comia os bifes e
frangos, o pão ainda fresquinho no café da
manhã e trocava a filha com fraldas descartáveis,
sem perguntar nem saber.

As visitas começaram quando a filha de
Marianinha já estava se alimentando com
papinha e frutas amassadas.

O primeiro que apareceu foi o açougueiro, só por
uns minutos, aproveitando que fora entregar um
pedido perto de sua casa; ao vê-la, achou que a
criança era sua cara. O pedido que viera entregar
ao vizinho do outro lado da rua, ele esqueceu
encima da mesa.

O segundo a achar a mesma coisa, foi o
farmacêutico. Pouco depois, ao partir contente,
esqueceu um pacote imenso de produtos para
bebês sobre a cama.

O terceiro que chegou, aproveitando que
passava pela rua e só para cumprimentar, foi o
padeiro; incrível como a menina se parecia com
ele!
Ao sair, Marianinha não teve tempo de avisá-lo
que se esquecera do bolo de chocolate que ele
entregaria e um cliente do outro quarteirão.

As visitas acidentais desses três esquecidiços
não pararam de se repetir, também na sua cama e
ao longo do crescimento da menina.

Quando a filhinha de Marianinha, que se chamava
Mariana, se preparava pela terceira vez para ir à
escolinha, perguntou-lhe quem eram aqueles
senhores que iam buscar as outras crianças na
porta da escola.
Marianinha disse que eram os pais delas.
Quando a garotinha então perguntou qual deles
era o seu, a mãe respondeu que nenhum deles.
Quis saber onde estava o dela.

Naquele terceiro dia, Mariana foi muito contente
para a escolinha, sabendo que tinha três.
Magos, como os do menino Jesus.

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1 Comentários

Mariza disse…
Eitah mundinho bom! A fantasia é bem melhor que a realidade, "né"?

Beijos da Condessa Descalça.