O segundo disparo de misericórdia

de Miguel Angel

O ódio contido, a bebida, a vingança jurada e o repuxar das cicatrizes dos açoites, o empurraram porta afora e dando um pulo, gritou:
- Filho da puta! – atirou duas vezes sem acertar o oponente. Edimilson virou-se, gritou – Cala a boca, desgraçado! – e disparou: a bala atravessou o cangote de Carlos que soltou a arma, para levar as mãos à ferida e apertar as cordoveias ansiando deter o sangue que esguichava e, tossindo de sufoco, caiu, vomitando vida em estertor.
Sem deixar de vigiar de esguelha o corpo de Carlos se debatendo em agonia – Mais um cabra de merda, abatido! – disse Edimilson, voltando rapidamente a mira em direção de Charles, que a tudo assistira, sem ter tido a chance de sacar seu revólver. – Vamos levantando os braço, gringo! – Ordenou o barbudo.
No interior da casa, Ronin, deduzindo o contratempo, foi até a sala e cautelosamente espiou da janela. Viu o soldado fazendo mira a poucos metros de Charles que, sentado na charrete, mantinha os braços erguidos.
– Quantos filho da puta tão lá dentro, gringo?– gritou Edimilson.

*
A mil metros dali, cinco homens, um sargento e um embaixador plenipotenciário à frente, galopavam rumando à casa.

*
Charles se mantinha tenso, aguardando qualquer descuido para atacar.
No interior, Ronin afastou a cortina da janela e apontou cuidadosamente. Mas Edimilson recebera aquela medalha não por alcaguetar, mas pela presteza em combate, e percebendo o movimento na janela, apontou e atirou. Foram os segundos que Charles ansiava e Edimilson temia: o Colt brotou na mão de Charles com agilidade de feitiçaria e atirou. A bala entrou pela orelha do valente soldado alojando-se no crânio e ali permaneceu; a hemorragia instantânea foi esvaziando o cérebro de sangue que escoava pelo nariz, olhos e ouvido; Edimilson, olhando supresso para Charles, dobrando os joelhos vagarosamente, tentava retomar o fuzil que lhe caíra das mãos. O segundo disparo de misericórdia que o derrubou de vez, partiu da arma fumegante que Ronin empunhava na porta de entrada.
–Esse idiota deve ter mandado avisar o quartel. É melhor dar o fora logo, companheiro! Falta muito? – exclamou Charles, guardando o revólver no coldre.
– Melhor perder o que falta a arriscar o que temos. MacMahon terá que se contentar com o que sobrou. Vamos sair daqui! – Disse Ronin, pulando a mureta; trepando na charrete, de imediato cobriu com a lona as mochilas repletas.
– Vamos embora, camarada! – Ordenou Ronin. Charles e seu látego manobraram os cavalos para partirem em veloz escapada.

*
A 500 metros do lugar, sete cavalos a todo galope, dividiam um Sargento, cinco praças e um espavorido embaixador norte-americano, visando a casa que lhe fora cedida temporariamente pelo Império do Brasil. Ninguém deu atenção à charrete passando em sentido oposto.

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Fragmento do romance "Moscas e Aranhas de Guerra" de Dalton W. Reis

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2 Comentários

Este teu excerto do teu novo romance, está de facto muito bom.
Como já nos habituaste, os teus textos têm vida, quase, senão mesmo, nos transportam para a cena.
Obrigado por estes maravilhosos fragmentos que partilhas connosco!

Abraços deste imenso Portugal!
Mariza disse…
Oi, Miguel.
Lembrei-me dessa cena, já, já... Eis a sua incrível habilidade - o jeito com que escreve e cativa-nos a atenção - as cenas que descreve em seus romances jamais são esquecidas.
Beijos,
A Condessa Descalça.